domingo, maio 20, 2012


HOJE É 

DOMINGO


Há um convencimento, acredito que em sectores mais tradicionais e ligados a uma igreja conservadora e ortodoxa, para quem a bondade, o altruísmo, a solidariedade, são qualidades mais comuns e como que esperadas em pessoas religiosas.

Não é verdade. A bondade e a religiosidade não têm a ver uma coisa com a outra. De resto, a bondade e o altruísmo são comportamentos muito antigos, anteriores às religiões. Mas vejamos o que a este respeito nos diz Richard Dawkins, doutorado em biologia, catedrático na Universidade de Oxford e Prémio Nobel.

Em primeiro lugar, diz-nos ele, temos comportamentos de altruísmo e bondade para com os nossos parentes dos quais o carinho e a protecção que dispensamos aos nossos filhos é o exemplo mais óbvio mas não o único no mundo animal.

Cuidar dos parentes próximos para os defender, para os alertar contra os perigos ou partilhar com eles alimentos são comportamentos normais entre indivíduos que partilham cópias dos mesmos genes.

-Em segundo lugar, um outro tipo de altruísmo para o qual existe uma sólida fundamentação lógica darwiniana que é o altruísmo recíproco (temos de ser uns para os outros).

Esta teoria trazida para a biologia por Robert Trivers não depende da partilha de genes e funciona até igualmente bem entre animais de espécie diferentes, sendo aí chamada de simbiose.

Trata-se do mesmo princípio que está na base de todo o comércio e das trocas entre os seres humanos.

O caçador precisa de uma lança e o ferreiro precisa de carne. É assimetria que medeia o acordo.

 A abelha precisa de néctar e a flor de ser polinizada.

A selecção natural favorece os genes que predispõem os indivíduos, em relações de necessidade e oportunidade assimétricas, para darem quando podem e solicitarem quando não podem.

E favorece também as tendências para lembrar as obrigações, para guardar rancor, para fiscalizar as relações de troca e para punir os trapaceiros que recebem, mas que não dão quando chega a sua vez de o fazerem.

- Em terceiro lugar, os comportamentos altruístas favorecem o indivíduo que os pratica porque lhes permite ganhar fama de bondosos e generosos e essa reputação é importante e os biólogos reconhecem nela valor de sobrevivência darwiniana não só pelo facto de se serem bons como também por alimentarem essa reputação.

- Em quarto lugar, o economista norueguês-americano Thorstein Veblen e de uma forma diferente o zoólogo israelita Amotz Zahavi, acrescentaram ainda uma ideia mais fascinante quanto à vantagem dos comportamentos altruístas considerando-os uma proclamação implícita de domínio ou superioridade.

Por exemplo, os chefes rivais das tribos do noroeste do Pacífico competiam entre si organizando festins de uma abundância ruinosa.

Só um indivíduo genuinamente superior pode dar-se ao luxo de anunciar o facto por meio de uma oferta dispendiosa.

Os indivíduos compram o êxito através de demonstrações de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e o assumir de riscos pelo bem comum.

Temos então quatro boas razões Darwinianas para os indivíduos serem altruístas, generosos ou “morais” uns para com os outros e ao longo da nossa Pré-Histórica, o ser humano viveu em condições que terão favorecido bastante a evolução destes quatro tipos de altruísmo:

 - Vivíamos em aldeias ou, em tempos mais recuados, em bandos nómadas discretos, parcialmente isolados de aldeias ou de bandos vizinhos, e estas eram condições que favoreceram extraordinariamente o evoluir das relações altruístas familiares como factor importante para a sobrevivência do grupo;

E não só para o altruísmo de base parental como igualmente do altruísmo recíproco ao cruzarem-se com frequência com os mesmos indivíduos e estas são as condições ideais para se construir a reputação do altruísmo e também para publicitarem uma generosidade conspícua.

É fácil perceber a razão pela qual os nossos antepassados pré históricos terão sido bons para os membros do seu próprio grupo mas maus, chegando à xenofobia, em relação a outros grupos.

Mas agora, que a maior parte de nós vive em grandes cidades onde já não estamos rodeados de parentes e conhecemos indivíduos que não mais voltaremos a encontrar, por que motivo somos ainda tão bons uns para os outros e até para aqueles que pertencem a grupos exteriores ao nosso?

É importante não transmitir uma ideia errada sobre o alcance da selecção natural pois ela não favorece a evolução de uma consciência cognitiva do que é bom para os nossos genes, o que ela favorece são regras de base empírica que na prática funcionam no sentido de prover os genes que as criaram.

Vejamos um exemplo:

-No cérebro de um pássaro a regra «cuidar daquelas coisas pequenas que soltam grasnidos e vivem no ninho e deixar-lhes cair comida nas bocas vermelhas e escancaradas» tem o objectivo de preservar os genes que criaram a regra porque os objectos que soltam grasnidos e ficam de boca aberta são os seus descendentes.

Mas esta regra falha se outra cria de pássaro entra para dentro do ninho, situação que foi engendrada pelos cucos.

Esta falha ou “tiro fora do alvo”pode também acontecer com os impulsos para a bondade, altruísmo, empatia, piedade, que o homem continua a desenvolver quando as condições já são diferentes das que existiam em tempos ancestrais.

Por outras palavras, as condições são outras mas a regra empírica manteve-se e, portanto, embora hoje as pessoas já não sejam nossos parentes, façam parte do nosso grupo, ou tenham possibilidade de retribuir, tal como a ave que por impulso continua a alimentar o filho do cuco, também nós continuamos a sentir o desejo de sermos bons e generosos.

É como o desejo sexual que não deixa de ser sentido mesmo quando a mulher é estéril ou toma a pílula e fica incapaz de reproduzir.

São ambos “tiros fora do alvo”, erros darwinianos: abençoados e inestimáveis erros.

Em tempos ancestrais a melhor forma da selecção natural assegurar a sobrevivência da nossa espécie foi instalando no cérebro não só a necessidade de acreditar, da qual já falamos, como também, o desejo sexual e a compaixão ou generosidade.

Estas regras que ditam estes impulsos para acreditar, para o sexo, para a generosidade e para a xenofobia, são muito anteriores à religião, às civilizações e aos vários contextos culturais que se limitaram mais tarde a regulá-los, condicioná-los, instrumentalizá-los, cada um à sua maneira, fazendo deles o cerne da vida dos homens ao longo de toda a sua existência.

Se voltarmos novamente a pôr a questão de saber qual a razão ou razões pelas quais somos bons, a resposta parece-nos ser agora clara, acessível à nossa razão, quase natural e, acima de tudo, nada ter a ver com qualquer religião.

É sempre bom compreendermos as verdadeiras razões para os nossos comportamentos para evitarmos manipulações…
(Click na imagem das instalações dos Bombeiros, já encerradas e transferidas para uma parte nova da cidade) 

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