segunda-feira, junho 04, 2012



GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 115



O Diário de Ilhéus anunciara na véspera, na primeira página, em letras gordas, o desembarque no dia seguinte, pelo navio da Baiana. Com o que acrescentava asperamente a notícia, «ia transformar-se em sorriso amarelo o riso alvar dos parvos e despeitados, aqueles profetas de fancaria que, em sua obra impatriótica, negavam não só a vinda do engenheiro, mas a própria existência de qualquer engenheiro no Ministério… O dia seguinte seria o das bocas arrolhadas, da empáfia castigada».

O engenheiro viera da Baía, desembarcara em Ilhéus naquela madrugada.

Violenta a notícia do jornal, cheia de desaforos contra os adversários. Mas a verdade é que o engenheiro demorara a chegar, ia para mais de três meses o anúncio da sua vinda imediata. Um dia – Nacib recorda-se muito bem pois naquele dia a velha Filomena partira e ele contratara Gabriela – Mundinho Falcão desembarcara de um Ita, espalhando aos quatro ventos, numa demonstração de absoluto prestígio, o estudo e a solução do caso da barra.

Ponto de partida inicial era a iminente chegada de um engenheiro do Ministério. Fora uma sensação na cidade, pelo menos tão intensa quanto o crime do coronel Jesuíno Mendonça.

Marcara o início da campanha política para as eleições do começo do ano próximo, Mundinho Falcão assumido a chefia da oposição, arrastando um bocado de gente com ele.

O Diário de Ilhéus, em cujo cabeçalho se lia: «noticioso e apolítico» começou a marretar a administração municipal, a atacar o coronel Ramiro Bastos, a fazer picuinhas ao Governo Estadual.

O Doutor escrevera uma série de artigos, pasquinadas ferozes, brandindo o anunciado engenheiro como um gládio sobre a cabeça dos Bastos.

No seu escritório - todo o andar térreo ocupado pela ensacagem do cacau – Mundinho Falcão conversava com fazendeiros, mas já não eram simples assuntos comerciais, vendas de safra, modalidades de pagamento. Discutia política, propunha alianças, anunciava planos, dava a eleição como ganha. Os coronéis ouviam impressionados.

Os Bastos mandavam em Ihéus há mais de vinte anos, prestigiados pelos sucessivos governos estaduais. Mundinho, porém, atingia mais alto: seu prestígio decorria do Rio, do Governo Federal. Não obtivera, apesar da oposição do Governo do Estado, um engenheiro para estudar o até então insolúvel  caso da barra; não garantia resolvê-lo em pouco tempo?

O coronel Ribeirinho, que jamais fizera caso dos seus votos, dando-os de mão beijada a Ramiro Bastos, formara nas fileiras do novo chefe, metia-se em política pela primeira vez. E exaltado, viajando pelo interior para conversar compadres seus, influir sobre pequenos lavradores.

Havia quem dissesse ter aquela amizade política nascido no leito de Anabela, dançarina trazida a Ilhéus pelo exportador e que ali abandonara o parceiro, mágico ilusionista, para dançar exclusivamente para o coronel. «Exclusivamente uma ova» pensava Nacib. Demonstrando exemplar neutralidade política, dormia ela com Tonico Bastos enquanto o coronel percorria vilas e povoados. E aos dois traía quando Mundinho Falcão, amigo de variar, mandava-lhe um recado. Era com ele que contava, em definitivo, no caso de lhe ocorrer uma infelicidade qualquer nessa terra assustadora, de costumes brutais.

Site Meter