GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 115
O Diário de Ilhéus anunciara na véspera,
na primeira página, em letras gordas, o desembarque no dia seguinte, pelo navio
da Baiana. Com o que acrescentava asperamente a notícia, «ia transformar-se em
sorriso amarelo o riso alvar dos parvos e despeitados, aqueles profetas de
fancaria que, em sua obra impatriótica, negavam não só a vinda do engenheiro,
mas a própria existência de qualquer engenheiro no Ministério… O dia seguinte
seria o das bocas arrolhadas, da empáfia castigada».
O engenheiro viera da Baía, desembarcara
em Ilhéus naquela madrugada.
Violenta a notícia do jornal, cheia de
desaforos contra os adversários. Mas a verdade é que o engenheiro demorara a
chegar, ia para mais de três meses o anúncio da sua vinda imediata. Um dia –
Nacib recorda-se muito bem pois naquele dia a velha Filomena partira e ele
contratara Gabriela – Mundinho Falcão desembarcara de um Ita, espalhando aos
quatro ventos, numa demonstração de absoluto prestígio, o estudo e a solução do
caso da barra.
Ponto de partida inicial era a iminente
chegada de um engenheiro do Ministério. Fora uma sensação na cidade, pelo menos
tão intensa quanto o crime do coronel Jesuíno Mendonça.
Marcara o início da campanha política
para as eleições do começo do ano próximo, Mundinho Falcão assumido a chefia da
oposição, arrastando um bocado de gente com ele.
O Diário de Ilhéus, em cujo cabeçalho se
lia: «noticioso e apolítico» começou a marretar a administração municipal, a
atacar o coronel Ramiro Bastos, a fazer picuinhas ao Governo Estadual.
O Doutor escrevera uma série de artigos,
pasqui nadas ferozes, brandindo o
anunciado engenheiro como um gládio sobre a cabeça dos Bastos.
No seu escritório - todo o andar térreo
ocupado pela ensacagem do cacau – Mundinho Falcão conversava com fazendeiros,
mas já não eram simples assuntos comerciais, vendas de safra, modalidades de
pagamento. Discutia política, propunha alianças, anunciava planos, dava a
eleição como ganha. Os coronéis ouviam impressionados.
Os Bastos mandavam em Ihéus há mais de
vinte anos, prestigiados pelos sucessivos governos estaduais. Mundinho, porém,
atingia mais alto: seu prestígio decorria do Rio, do Governo Federal. Não
obtivera, apesar da oposição do Governo do Estado, um engenheiro para estudar o
até então insolúvel caso da barra; não
garantia resolvê-lo em pouco tempo?
O coronel Ribeirinho, que jamais fizera
caso dos seus votos, dando-os de mão beijada a Ramiro Bastos, formara nas
fileiras do novo chefe, metia-se em política pela primeira vez. E exaltado,
viajando pelo interior para conversar compadres seus, influir sobre pequenos
lavradores.
Havia quem dissesse ter aquela amizade
política nascido no leito de Anabela, dançarina trazida a Ilhéus pelo
exportador e que ali abandonara o parceiro, mágico ilusionista, para dançar
exclusivamente para o coronel. «Exclusivamente uma ova» pensava Nacib.
Demonstrando exemplar neutralidade política, dormia ela com Tonico Bastos
enquanto o coronel percorria vilas e povoados. E aos dois traía quando Mundinho
Falcão, amigo de variar, mandava-lhe um recado. Era com ele que contava, em
definitivo, no caso de lhe ocorrer uma infelicidade qualquer nessa terra
assustadora, de costumes brutais.
<< Home