sábado, agosto 11, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 164


Na sala, a mulher o esperava, encolhida de medo. Parecia a imagem de santa macerada, o negro Fagundes tinha razão.

 - Onde ela está?

 - Subiu para o quarto.

 - Mande descer.

Esperou na sala, a bater o rebenque contra a bota. Malvina entrou, a mãe ficou na porta de comunicação. De pé ante ele, a cabeça erguida, tensa, orgulhosa, decidida, Malvina aguardou. A mãe aguardava também, os olhos de medo, Melk andou na sala.:

 - Que tem a dizer?

 - A respeito de quê?

 - Respeito me tenha! – gritou – Sou seu pai, baixe a cabeça. Sabe do que falo. Como me explica esse namoro? Ilhéus não trata de outra coisa, até na roça chegou. Não me venha dizer que não sabia que era homem casado, ele não escondeu. Que tem a dizer?

 - Que adianta dizer? O senhor não vai compreender. Aqui ninguém pode compreender. Já lhe disse, meu pai, mais de uma vez: não me vou sujeitar a casamento escolhido por parente, não vou me enterrar na cozinha de nenhum fazendeiro, ser criada de nenhum doutor de Ilhéus. Quero viver a meu modo. Quando sair, no fim do ano, do colégio, quero trabalhar, entrar num escritório.

 - Tu não tem querer. Tu há-de fazer o que eu ordenar.

 - Eu só vou fazer o que eu desejar…

 - Cale a boca, desgraçada!

 - Não grite comigo, sou sua filha, não sou sua escrava.

 - Malvina! – exclamou a mãe – Não responda assim a meu pai. Malvina rugiu:

 - Pois vou embora com ele, fique sabendo.

 - Ai meu Deus!... – A mãe cobriu o rosto com as mãos.

 - Cachorra! – Levantou o rebenque, nem reparava onde batia.

Foi nas pernas, nas nádegas, nos braços, no rosto, no peito. Do lábio partido o sangue escorreu, Malvina gritou:

 - Pode bater. Vou embora com ele!

 - Nem que te mate…

Num repelão, atirou-a para cima do sofá. Ela caiu de bruços, novamente ele levantou o braço, o rebenque subia e descia, silvava no ar. Os gritos de Malvina ecoavam na praça.

A mãe suplicava em choro, a voz medrosa:

 - Basta, Melk, basta…

Depois, de repente, se atirou da porta, agarrou-lhe a mão:

 - Não mate a minha filha!

Parou, arquejante, Malvina agora apenas soluçava no sofá.

 - Pró quarto! Até segunda ordem não pode sair.

No bar, Josué apertava as mãos, mordia os lábios. Nacib sentia-se acabrunhado, João Fulgêncio abanava a cabeça.

Na sua janela, Glória sorriu tristemente.

Alguém disse:

 - Parou de bater.


Da virgem no rochedo


Negros rochedos crescendo do mar, contra seu flanco de pedra as ondas rebentavam em espuma branca. Caranguejos de assustadoras garras surgiram de recônditas cavidades.

De manhã e de tarde, moleques escalavam ágeis a penedia, brincando de jagunços e coronéis. De noite ouvia-se o barulho da água mordendo a pedra, infatigável. Por vezes uma luz estranha nascia na praia, subia pela rocha, perdia-se nos desvãos, reaparecia nas grimpas.

Os negros diziam ser bruxaria das sereias, das aflitas mães-d’água, Dª Janaína em fogo verde transformada. Suspiros rolavam, ais de amor no escuro da noite. Os mais pobres casais, mendigos, malandros, prostitutas sem pouso, faziam sua cama de amor na praia escondida entre os rochedos, embolavam na areia. Rugia em frente o mar bravio, dormia atrás a bravia cidade.
(Há sempre uma luz que representa a esperança num futuro melhor...)

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