CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 167
As festas do Clube Progresso, os namoros
sem consequência, os bilhetinhos trocados, tímidos beijos furtados nas matines
dos cinemas, por vezes mais fundos nos portões dos qui ntais.
Chegava um dia o pai com um amigo,
acabava o namoro, começava o noivado. Se não qui sesse,
o pai obrigava. Acontecia uma casar com o namorado quando os pais faziam gosto
no rapaz. Mas em nada mudava a situação. Marido trazido, escolhido pelo pai, ou
noivo mandado pelo destino, era igual.
Depois de casada, não fazia diferença.
Era o dono, o senhor, a ditar as leis, a ser obedecido. Para ele os direitos,
para elas o dever, o respeito. Guardiãs da honra familiar, do nome do marido,
responsáveis pela casa, pelos filhos.
Mais velha do que ela, mais adiantada no
colégio, fizera-se Clara íntima de Malvina. Riam as duas a cochichar no pátio.
Jamais houvera moça mais alegre, mais cheia de vida, formosura sadia, dançarina
de tangos, a sonhar aventuras. Tão apaixonada e romântica, tão rebelde e atirada!
Casou por amor, pelo menos assim se
pensava. Não era o noivo fazendeiro, de mentalidade atrasada. Era um doutor,
formado em Direito, recitava versos. E foi tudo igual.
Que acontecera com Clara, onde ela
estava, onde escondera sua alegria, seu ímpeto, onde enterrara seus planos,
tantos projectos? Ia à Igreja, cuidava da casa, paria filhos. Nem se pintava, o
doutor não queria.
Assim fora sempre, assim continuava a
ser, como se nada se transformasse, a vida não mudasse, não crescesse a cidade.
No Colégio emocionavam-se com a história de Ofenísia, a virgem dos Ávilas,
morta de amor. Não qui sera o Barão,
recusara o senhor do engenho. Seu irmão Luís António chegava com pretendentes.
Ela sonhava com o Imperador.
Malvina odiava aquela terra, a cidade
dos cochichos do disse-que-disse. Odiava aquela vida e contra ela passara a
lutar. Começara a ler. João Fulgêncio a encaminhava, recomendando-lhe livros.
Descobriu outro mundo mais além de Ilhéus onde a vida era bela, onde a mulher
não era escrava.
As grandes cidades onde podia trabalhar,
ganhar o seu pão e a sua liberdade. Não olhava para os homens de Ilhéus.
Iracema a chamava de “virgem de bronze”, o título de um romance, porque ela não
tinha namorados.
Josué a rondava, viera de fora, escrevia
sonetos, publicava em jornais. “Dedicado à indiferente M…”. Iracema lia alto no
pátio do colégio. Um dia, quando um marido enganado matou a esposa, Malvina
conversara com ele, namoraram uns dias.
Talvez, quem sabe, fosse diferente? Era
igual. Logo qui sera proibir pintura
no rosto, amizade com Iracema – “é falada por todos, não é amiga para você” –
ir a uma festa do coronel Misael para a qual ele não fora convidado. Tudo isso
em menos de um mês.
De Ilhéus só gostava da casa nova, cujo
modelo escolhera numa revista do Rio. O pai fizera-lhe a vontade, para ele era
indiferente. Mundinho Falcão tinha trazido aquele arqui tecto
maluco, sem trabalho no Rio, ela adorara a casa de Mundinho.
Sonhara com ele também. Esse sim, era
diferente, esse podia arrancá-la dali, levá-la para outras terras, aquelas
faladas nos romances franceses. Para Malvina não se tratava de amor, de paixão
a explodir. Amaria quem lhe oferecesse o direito a viver, quem a libertasse do
medo ao destino de todas as mulheres de Ilhéus. Era preferível envelhecer
solteirona, de negro na porta das Igrejas. Se não qui sesse
morrer como Sinhàzinha de tiro de revólver.
(Click na imagem. A ideia da almofada é nova... quanto ao resto, tudo velho.)
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