GABRIELA
CRAVO
CRAVO
E
CANELA
CANELA
Episódio Nº 170
Foi a temporada dos poemas longos, de
exaltação daquele amor que nem a morte e nem mesmo o passar dos séculos
destruiriam jamais. “Eterno como a própria eternidade”, “maior que os espaços
conhecidos e desconhecidos, mais imortal do que os deuses imortais”, escrevia o
professor e poeta.
Por convicção, e também por conveniência
– poemas longos, se fosse a rimá-los e metrificá-los, não havia tempo que
chegasse – aderira Josué à famosa “Semana da Arte Moderna” de São Paulo, cujos
ecos revolucionários chegavam a Ihéus com três anos de atraso.
Agora jurava por Malvina e pela poesia
moderna, liberta da cadeia da rima e da métrica, como dizia ele nas discussões
literárias na Papelaria Modelo, com o Doutor, João Fulgêncio e Nhô-Galo, ou no
Grémio Rui Barbosa, com Ari Santos. E também menos custosa, sem ter de contar
sílabas, procurar rimas. E, além de tudo, não era um “estilo moderno” a casa de
Malvina? Almas gémeas até no gosto, pensava ele.
O extraordinário é que essa eternidade
do tamanho da própria eternidade, essa imortalidade maior que a imortalidade de
todos os deuses reunidos, conseguiu ainda crescer, agora numa prosa
panfletária, quando a moça rompeu o namoro e começou o escândalo com Rómulo.
Largo era o peito compreensivo de Nacib,
a acompanhar no bar as melancolias do professor. Solidários, os amigos da
Papelaria e do Grémio, um tanto curiosos também. Mas foi a dor de Josué
debruçar-se, inexplicavelmente, sobre o ombro castelhano e anarqui sta do sapateiro Filipe.
O remendão espanhol era o único filósofo
da cidade, de conceito formados sobre a sociedade e a vida, as mulheres e os
padres. Péssimo conceito, aliás, Josué devorou-lhe os folhetos de capa
encarnada, abandonou a poesia, iniciou fecunda carreira de prosador.
Era uma prosa melosa e reivindicativa:
Josué aderira ao anarqui smo de corpo
e alma, passara a odiar a sociedade constituída, a fazer o elogio das bombas e
da dinamite regeneradoras, a clamar vingança contra tudo e contra todos.
O Doutor elogiava-lhe o estilo
condoreiro. No fundo, toda essa exaltação tenebrosa dirigia-se contra Malvina.
Dizia-se para sempre desiludido das mulheres, sobretudo das belas filhas dos
fazendeiros, cobiçados partidos matrimoniais. “Não passam de umas
levianasitas…”, cuspia ao vê-las passar, juvenis nos uniformes do Colégio das
Freiras ou tentadoras nos vestidos elegantes.
Mas o amor que dedicara a Malvina, ah!,
esse continuava eterno, na prosa exaltada, jamais morreria em seu peito, e só
não o matava de desespero porque ele se propunha, com sua pena, a modificar a
sociedade e o coração das mulheres.
Logicamente, o ódio concebido contra as
moças de sociedade, alicerçado na ideologia confusa dos folhetos, aproximou-o
das mulheres do povo. Quando se dirigiu a primeira vez para a solitária janela
de Glória – num esplêndido gesto revolucionário, único acto militante de sua
fulminante carreira política, concebido e executado, aliás, antes de haver
aderido ao anarqui smo – fizera-o com
o intuito de marcar para Malvina o grau de loucura em que o afundava aquela
desavergonhada conversa da moça com o engenheiro.
(A nudez como sinal de pureza)
(A nudez como sinal de pureza)
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