domingo, setembro 23, 2012


HOJE É 
DOMINGO
(Da minha cidade Santarém)



Estou perplexo, por vezes não sei o que pensar dos meus patrícios:

 - Por um lado, centenas de milhares deles saíram para a rua no sábado passado, como vos contei, e protestaram com um grau de civismo e uma postura exemplares; inclusive, um dos nossos maiores produtores de calçado – empresa de mão-de-obra intensiva – afirmou, na Feira de Calçado de Milão, que o dinheiro que vier a recolher da TSU, como patrão, iria directamente para os seus trabalhadores, num gesto de solidariedade social.

 - Por outro lado, quase dois milhões de portugueses gastaram o seu tempo a ver o novo programa da Casa dos Segredos conduzido por aquela palerminha tagarela que dá pelo nome de Tereza Guilherme.

É isto que vos gostava de transmitir dos meus patrícios, eles são uma mistura de “coisas”: por um lado, embalam em massa nesse programa andrajoso da Casa dos Segredos – não sou testemunha, falo pela crítica isenta e especializada que li – mas por outro, sabem mostrar com toda a dignidade e civismo o sofrimento e as preocupações porque passam neste momento.

Mas, o que havemos de fazer? – Parece haver na natureza humana uma parte sórdida que muitos de nós não conseguem dominar pela razão e bom senso. Temos a noção de que aquilo é mau, é lixo, mas esquecemos que vende à distância de um click num botão do comando da televisão próximo de nós.

Infelizmente, tem um mercado garantido e quanto pior mais vende. O espectáculo está, precisamente, na sua péssima qualidade, essa é a base do seu sucesso. Não tentem melhorá-lo, não procurem dar-lhe alguma dignidade, no outro dia as audiências baixariam e isso é a única coisa que eles não desejam.

 As pessoas que lutaram para estar ali, naquele programa, dispostas a tudo para serem uma “celebridade”, que representa a oportunidade da vida delas, não foram escolhidas pelas suas qualidades ou atributos mas apenas pelo seu descaramento assumido, escancarado, incapazes de um juízo crítico sobre si próprios, de se avaliarem a si mesmas.

Apenas uma coisa eles sabem: estão numa sociedade mediatizada e alguém quer ganhar dinheiro com eles o que os deixa honrados, satisfeitos e vaidosos consigo próprios, não importa o que tenham de fazer ou dizer.

Amanhã serão esquecidos, ignorados como todos os outros antes deles o foram mas tiveram o seu momento de fama e isso é mais, muito mais, do que eles esperavam para si próprios na vida.

Por momentos fecho os olhos, tenho um pesadelo: recuei no tempo, estou numa caverna onde se recolhe um grupo de antepassados nossos, homens primitivos. É de noite, presume-se que estejam todos a dormir. Vejo uma figura de mulher trajando farrapos, cabelos compridos, desgrenhada, desloca-se como um fantasma, mal pisa o chão, atrás de si um grupo de zombis, muitos deles ainda a saírem das sepulturas. Ela condu-los e vai espiando, eles seguem-na. Ela perscruta, pretende ver e ouvir no seio daquele grupo de homens e mulheres que aparentemente repousam, palavras e cenas que não se destinam a ser ouvidas e vistas… reconheço-a agora: é a Tereza Guilherme.

Abro os olhos, sacudo a cabeça e o pesadelo… Será que a realidade já não me basta?!

Não, não me engano, não é para se distraírem da realidade que quase dois milhões de patrícios meus procuram a Tereza Guilherme e o seu programa, o mesmo que a SIC, já há uns bons anos atrás, recusou passar no seu Canal e que a TVI aproveitou para fazer disparar as suas audiências… é que nem todos têm os mesmos escrúpulos.

Não, os meus patrícios, gostam mesmo daquilo, aquelas cenas sórdidas e de mau gosto mexem com eles, chafurdam nelas deliciados, alimentam o seu primitivismo social quando tudo se resumia a uma disputa de sexo e alimento no quadro de uma gruta idêntica à do meu pesadelo. Como na Casa dos Segredos não falta o alimento, resta a intriga baixa e reles, curiosidade mórbida e sexo manhoso.
(Click na imagem. O medo que eu tive que deitassem a baixo esta pinheira a quando da construção da rotunda)

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