quarta-feira, setembro 26, 2012


TRINTA E SETE
ANOS DEPOIS…



Setembro de 1975. Três anos depois de ter chegado à cidade da Beira, em Moçambique, onde trabalhei como funcionário Público, na Inspecção de Crédito e Seguros, saía à fronteira de Untali, pela estrada de Manica e entrava na antiga Rodésia do Norte, hoje Zimbabué. Tinha dito a todos os meus amigos e colegas de trabalho que ia apenas a uma consulta médica e regressava à noite. Na sala, a mesa ficou posta para o jantar, na mala, nem um par de calças ou uma gravata a mais não fosse levantar suspeitas ao camarada da fronteira acusando-me de que ia fugir.

Na realidade, apanhei mesmo um avião para Joanesburgo com rota por Milão e fim de viagem em Lisboa… e nunca mais regressei. A minha casa, acabada de montar, o meu emprego, o meu carro, as minhas coisas, os meus amigos, tudo ficava para trás, apenas a roupa que levava no corpo e um cheque escondido para as despesas da viagem.

Tinha terminado a minha experiencia de vida em Moçambique. O futuro dos portugueses que lá ficaram e dos moçambicanos recém chegados à independência, não iria ser risonho. A uns esperava-os um regresso atribulado, como o meu, precedido de humilhações e provocações, aos outros, a guerra civil com tudo o que ela significa de mortes, perseguições, fome, dificuldades de toda o género.

Podia ter regressado em situação bem diferente, com todas as condições, mas uns meses antes da independência, em 25 de Junho de 1975, em cuja festa colaborei, tinha resolvido ficar mais uns tempos e fiz um contrato com o Governo de Transição para continuar por mais 2 anos.

Gostava da cidade, do continente africano, das pessoas, do meu trabalho, da minha casa, dos meus amigos e partilhava com os moçambicanos a alegria do acesso à independência.

Porque não continuar?

 Percebi, um pouco tarde, que a independência iria libertar forças retidas durante o período de transição e que ódios e rivalidades tribais, interesses afectados e ambições pessoais, iriam deflagrar logo após a independência.

Os sinais preocupantes começaram de imediato: prisões arbitrárias de amigos meus, boatos, ameaças, camaradas anónimos do partido da Frelimo, do exército, do governo, todos investidos de autoridade incontestável, reivindicavam o poder de mandar e o povo, sedento de vingançazinhas, estendia-nos o cabo da catana e convidava-nos de forma imperativa: “ó camarada vem capinar c’a gente!”… tudo próprio de um clima revolucionário…

Ian Smith, da vizinha Rodésia do Norte, de imediato começou a apoiar os descontentes, amigos meus viriam a pegar em armas e a integrar milícias que operavam do exterior e toda aquela região mergulharia numa guerra civil liderada pela Renamo, partido da oposição à Frelimo, primeiro com o apoio da Rodésia, mais tarde, com a independência desta, da África do Sul.

Assim, durante muitos anos, o povo moçambicano, depois de fazer a guerra contra os portugueses colonialistas, continuou a combater entre si, numa guerra fratricida, até 1992.

Mas aquela guerra não era minha. Não era colonialista nem moçambicano, aquele país não era o meu, o meu lugar não era ali, apenas estava no local errado, no momento errado, paguei isso com todos os meus bens… mas lamentei sinceramente aquele desfecho, não só por mim, mas também porque arrastou pessoas que eram boas, minhas amigas e cujo relacionamento connosco era fraternal.

 À saída da fronteira, naquela manhã de fins de Setembro de 1975, fazem agora 37 anos, eu virava uma página da minha vida. Para trás ficava uma sociedade que se afirmava como um país, que se tinha unido por uma boa causa, mas que agora se iria desunir na luta pelo poder.

Pessoalmente, reconstruí a minha vida, o estado voltou a dar-me emprego no início de 1977, montei mais casas para viver que a vida está sempre a dar voltas… e agora procuro paz e harmonia nos anos que me restam.

De Moçambique e da Beira fiz um esforço para esquecer as últimas semanas para recordar apenas com saudade e ternura, aquele continente, aquela natureza, aquelas pessoas… ah! e os jacarandás em flor, a última imagem que gravei na minha memória daquela avenida em Untali, chamada de Mutare depois da independência.
(Click para aumentar a imagem da avenida de jacarandás em Untali))

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