terça-feira, setembro 25, 2012


Pessoas Normais

Não me sai da cabeça a frase, aparentemente banal, proferida por Adelino Montez, Professor Universitário e Investigador de Ciência Política no Instituto de Ciências Sociais e Políticas, onde em tempos fui aluno, quando, numa entrevista recente, na televisão, começava a conversa dizendo:

 - Temos que nos habituar a ser governados por pessoas normais… e mais não disse a este respeito deixando entender que políticos de craveira excepcional só esporadicamente aparecem na vida dos países e que não era este o momento deles.

Então, quem são e de onde vêm essas pessoas normais que agora nos governam?
 – Dos partidos, já se vê, da escola dos partidos. É lá que fazem a sua aprendizagem, perdem a sinceridade, metamorfoseiam - se como políticos e constroem os seus discursos, cassetes afinadas por colegas mais velhos e experientes.

Assimilam os princípios básicos da ideologia do partido que repetirão por uma vida inteira tanto mais fielmente quanto maior a disciplina própria desse partido.

Mas há outra coisa que eles também aprendem e desenvolvem: as teias da cumplicidade, das intrigas, dos critérios certos para estabelecer as lealdades políticas e as amizades fingidas. Deixam de ser eles, passam a peças de uma engrenagem, de um mecanismo onde disputam lugar pelas suas intervenções, pelos seus silêncios, pela habilidade das escolhas, pela capacidade de afirmarem a força do partido.

É uma espécie de escola de teatro em que eles são, simultaneamente, actores e autores e cada um deles disputa o protagonismo na construção do argumento.

 A escola é essencial, o partido é tudo. Irá ser, no futuro, no caso de um partido do poder, uma garantia de emprego em qualquer uma das muitas Empresas Púbicas, Institutos Públicos, Administrações de Hospitais Públicos ou junto de membros do governo da sua cor, Ministérios e Secretarias de Estado como assessores, conselheiros, secretários, adjuntos, chefes de gabinete, etc.

Percebe-se, por isto, quando chegar a hora de cortar nas despesas do Estado, as “tais gorduras”, como vai ser difícil despedir essa gente… ninguém manda para a rua pessoas da família.

Também há, por vezes, deserções, abandonos, como em todo o lado, e até mudanças de partido mas são situações raras e difíceis de suportar pois as marcas não saem mais… «olha aquela, não era do PC?»  … «aquele não era do CDS?» … e assim vão pelo resto das suas vidas transportando o partido como um ferrete que se lhes colou.

Pensemos em Miguel Relvas: enquanto estudante no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, todo o tempo era pouco para dedicar ao partido, para os encontros a dois ou para as reuniões, para definir estratégias, para convencer os colegas dos seus pontos de vista, para estar presente, para abdicar da sua vida de rapaz numa entrega ao partido. Nunca lhe sobrava tempo para estudar.

Destacou-se pela sua actividade, chegou a ministro. Podia e devia ter ficado no partido, a zelar por ele, na retaguarda dos seus colegas e do seu chefe mas não resistiu à tentação. Como disse um colega dele, anos antes, num telefonema para a mãe depois de acabar de ser empossado: - “Mãe, sou ministro!

Ao fim e ao resto, o partido é uma escada para o poder e a cadeira de Ministro é a cadeira do poder. Recusá-la é quase inumano.

Relvas vai sair de ministro sem honra nem glória por uma porta lateral que dá para um beco discreto pouco frequentado. Sobrestimou a sua capacidade de expedientes, esqueceu-se que não dominava o país como aprendeu a dominar o seu partido pela reciprocidade de favores, perdeu a mão, foi ultrapassado e vencido por forças que nem pensara existir.

Esqueceu-se que as “combinações a dois” e as preocupações de natureza meramente legal, suficientes enquanto ao nível partidário, não chegavam no quadro geral do país onde ele tinha agora inimigos e não apenas adversários de outras facções do partido.

Os cartazes «Vai estudar Relvas» retiraram-lhe toda a credibilidade, mataram-no politicamente.

 Mas cometeu ele alguma ilegalidade? – Não. Foi pior. Fosse uma ilegalidade e haveria a presunção de inocência, a vitimização e depois um batalhão de advogados para explorar os meandros da lei: haja em vista os valentins loureiros e os isaltinos de morais que por lá continuam.

Relvas foi vítima do seu desmazelo enquanto estudante. Demasiado tarde pretendeu emendá-lo recorrendo à própria lei, ela mesma um expediente, porque uma coisa é conhecimento académico, científico, sujeito a programas, certificado pelos Mestres em exames escritos e orais ao longo de anos e outra é o conhecimento feito da experiencia da vida por muito rica e preenchida que ela seja. São dois saberes  distintos que se enriquecem quando se complementam mas não se substituem.

E estas… são as pessoas normais que nos governam e a que o Professor Adelino Maltez se referia.

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