Pessoas Normais
Não me sai da cabeça a frase,
aparentemente banal, proferida por Adelino Montez, Professor Universitário e Investigador
de Ciência Política no Instituto de Ciências Sociais e Políticas, onde em
tempos fui aluno, quando, numa entrevista recente, na televisão, começava a
conversa dizendo:
-
Temos que nos habituar a ser governados por pessoas
normais… e mais não disse a este respeito
deixando entender que políticos de craveira excepcional só esporadicamente
aparecem na vida dos países e que não era este o momento deles.
Então, quem são e de onde vêm essas
pessoas normais que agora nos governam?
–
Dos partidos, já se vê, da escola dos partidos. É lá que fazem a sua
aprendizagem, perdem a sinceridade, metamorfoseiam - se como políticos e constroem
os seus discursos, cassetes afinadas por colegas mais velhos e experientes.
Assimilam os princípios básicos da
ideologia do partido que repetirão por uma vida inteira tanto mais fielmente
quanto maior a disciplina própria desse partido.
Mas há outra coisa que eles também
aprendem e desenvolvem: as teias da cumplicidade, das intrigas, dos critérios
certos para estabelecer as lealdades políticas e as amizades fingidas. Deixam
de ser eles, passam a peças de uma engrenagem, de um mecanismo onde disputam
lugar pelas suas intervenções, pelos seus silêncios, pela habilidade das
escolhas, pela capacidade de afirmarem a força do partido.
É uma espécie de escola de teatro em que
eles são, simultaneamente, actores e autores e cada um deles disputa o
protagonismo na construção do argumento.
A
escola é essencial, o partido é tudo. Irá ser, no futuro, no caso de um partido
do poder, uma garantia de emprego em qualquer uma das muitas Empresas Púbicas,
Institutos Públicos, Administrações de Hospitais Públicos ou junto de membros
do governo da sua cor, Ministérios e Secretarias de Estado como assessores,
conselheiros, secretários, adjuntos, chefes de gabinete, etc.
Percebe-se, por isto, quando chegar a
hora de cortar nas despesas do Estado, as “tais gorduras”, como vai ser difícil
despedir essa gente… ninguém manda para a rua pessoas da família.
Também há, por vezes, deserções,
abandonos, como em todo o lado, e até mudanças de partido mas são situações
raras e difíceis de suportar pois as marcas não saem mais… «olha aquela, não
era do PC?» … «aquele não era do CDS?» …
e assim vão pelo resto das suas vidas transportando o partido como um ferrete
que se lhes colou.
Pensemos em Miguel Relvas :
enquanto estudante no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, todo o tempo era pouco
para dedicar ao partido, para os encontros a dois ou para as reuniões, para
definir estratégias, para convencer os colegas dos seus pontos de vista, para
estar presente, para abdicar da sua vida de rapaz numa entrega ao partido.
Nunca lhe sobrava tempo para estudar.
Destacou-se pela sua actividade, chegou
a ministro. Podia e devia ter ficado no partido, a zelar por ele, na retaguarda
dos seus colegas e do seu chefe mas não resistiu à tentação. Como disse um
colega dele, anos antes, num telefonema para a mãe depois de acabar de ser
empossado: - “Mãe, sou ministro!
Ao fim e ao resto, o partido é uma
escada para o poder e a cadeira de Ministro é a cadeira do poder. Recusá-la é
quase inumano.
Relvas vai sair de ministro sem honra
nem glória por uma porta lateral que dá para um beco discreto pouco
frequentado. Sobrestimou a sua capacidade de expedientes, esqueceu-se que não
dominava o país como aprendeu a dominar o seu partido pela reciprocidade de
favores, perdeu a mão, foi ultrapassado e vencido por forças que nem pensara
existir.
Esqueceu-se que as “combinações a dois”
e as preocupações de natureza meramente legal, suficientes enquanto ao nível
partidário, não chegavam no quadro geral do país onde ele tinha agora inimigos
e não apenas adversários de outras facções do partido.
Os cartazes «Vai estudar Relvas»
retiraram-lhe toda a credibilidade, mataram-no politicamente.
Mas cometeu ele alguma ilegalidade? – Não. Foi
pior. Fosse uma ilegalidade e haveria a presunção de inocência, a vitimização e
depois um batalhão de advogados para explorar os meandros da lei: haja em vista
os valentins loureiros e os isaltinos de morais que por lá continuam.
Relvas foi vítima do seu desmazelo
enquanto estudante. Demasiado tarde pretendeu emendá-lo recorrendo à própria
lei, ela mesma um expediente, porque uma coisa é conhecimento académico,
científico, sujeito a programas, certificado pelos Mestres em exames escritos e
orais ao longo de anos e outra é o conhecimento feito da experiencia da vida
por muito rica e preenchida que ela seja. São dois saberes distintos que se enriquecem
quando se complementam mas não se substituem.
E estas… são as pessoas normais que nos
governam e a que o Professor Adelino Maltez se referia.
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