quarta-feira, outubro 10, 2012


Morreu o Nunes.

Pelas contas de um outro colega meu, o Fernando, presença assídua em todos os almoços mensais de Curso, na penúltima quarta-feira de cada mês, já lá vão catorze daquele grupo de rapazes que no início do Ano Lectivo de 1959/60 se encontaram pela primeira vez no Largo do Príncipe Real, ao cimo do Bairro Alto, em Lisboa, e foram colegas durante três anos no Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina.

A lei da vida, paulatinamente, vai fazendo a sua ceifa. Os que restam, naturalmente, estão envelhecidos mas o Nunes não estava bem, muito gordo e com dificuldades em respirar… Quando me separei dele, no último almoço em que esteve presente, tive o pressentimento que era a última vez que o via, por isso, já cá fora do restaurante, no momento dos abraços e apertos de mão, fiquei parado no passeio acompanhando com um olhar de despedida a sua figura avantajada que se afastava para sempre.

 Depois disso, tivemos a informação de que estava internado no Hospital e o resto foi o desfecho esperado.

 Instintivamente, ponho o relógio do tempo a andar para trás e lá está o Nunes: jovem, bem parecido, irradiando confiança, no átrio da sala de aulas, falando alto, chamando a si as atenções, num grupo de rapaziada do qual, quase metade, já partiu.

Partir, é uma maneira dizer, está na nossa linguagem, faz parte da nossa cultura, pressupõe um destino, uma morada, um local.

Se o Nunes partiu, para onde foi? Alguém o sabe fora de uma qualquer crença religiosa? Que pensaria o Nunes sobre isto? Teria tido medo?

Mark Twain dizia:

- «Não tenho medo da morte. Estive morto durante milhões de milhões de anos antes de nascer e não senti o mais pequeno incómodo por isso.»

O Nunes fez o seu caminho, viveu a sua vida, teve essa fantástica experiência: conheceu, aprendeu e, acima de tudo, jogou com as suas emoções e sentimentos na intrincada teia das relações humanas e… chegou ao fim, sem dramas, ponto final. A sua vida prossegue nos seus descendentes.

Disse Emily Dickinson, poetisa americana: «Por não voltar jamais é que é tão doce a vida»

O Nunes teve a sorte de morrer porque viveu, coube-lhe essa rara oportunidade, veio do nada e de parte alguma e a ela regressa.

O meu colega Fernando tem uma lista mental secreta em que nos colocou a todos numa ordem cronológica para a data de “partida”. Parece maquiavélico mas para mim não tem nada de mal, tal como a morte também não tem. Ele não deseja a morte a nenhum de nós, é bom de ver, apenas procura ler sinais e a partir deles coloca-nos numa “bicha”. Ele é um rapaz divertido, tem sentido de humor… Não foi difícil, por exemplo, perceber que o Nunes era o próximo dessa lista.

A propósito do falecimento do meu colega Nunes vou transcrever, na íntegra, o epitáfio que o Prémio Nobel de 1973 pelos seus estudos em Etiologia, Richard Dawkins, destinou para o seu funeral:

- «Vamos morrer e por isso somos nós os bafejados pela sorte. A maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai chegar a nascer. As pessoas potenciais que poderiam ter estado aqui no meu lugar, mas que na verdade nunca verão a luz do dia, excedem em número os grãos de areia do deserto do Sara. Seguramente que nesses fantasmas que nunca vão chegar a nascer se incluem poetas maiores do que Keats e cientistas maiores do que Newton. Sabemos isto porque o conjunto de pessoas potenciais permitidas pelo nosso ADN é esmagadoramente superior ao conjunto de pessoas com existência efectiva. Não obstante esta ínfima probabilidade, sou eu, somos nós que, na nossa vulgaridade, aqui estamos.”

A Vida é doce porque não volta mais…


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