terça-feira, outubro 23, 2012


O VELHO TESTAMENTO
(Ritchard Dawkins - Prémio Nobel em 1973)

Iª Parte

Se algum realizador cinematográfico quisesse contar a história do homem como espécie animal poderia, com toda a propriedade, intitulá-lo “Nascidos para Acreditar”.


Se as crianças, filhas dos nossos antepassados, tivessem tido a necessidade de aprenderem a sobreviver à custa da sua própria experiência, muito naturalmente, a percentagem dos que passariam à idade adulta não seria suficiente para assegurar a continuidade da espécie.

Acreditar obedientemente, sem contestar, nos conselhos dos pais, dos avós, dos chefes, das pessoas mais velhas, foi a necessidade sentida, a palavra de ordem para a qual o cérebro humano desenvolveu uma predisposição psicológica acentuada nas crianças imediatamente a partir do seu nascimento.

Nunca animal nenhum tinha necessitado tanto das experiências de vida dos seus progenitores porque também nenhum outro tinha nascido tão frágil e dependente por um período tão longo da sua vida.

E a evolução parece que só teve esse caminho: aquelas crianças tinham que acreditar e ser obedientes.

A evolução, através da selecção natural, não tem soluções pré programadas, na maioria dos casos até nem as tem, a maioria das suas tentativas são becos sem saída que terminam na extinção.

No caso concreto do homem a aposta foi num cérebro superior mas condicionada a um período inicial em que “a ordem” foi “não penses, (não arrisques) faz o que te digo” se queres ter mais possibilidades de sobreviver.

Esta “terrível”necessidade de acreditar que, provavelmente, pode ter sido decisiva para que eu possa estar hoje aqui a escrever este texto no teclado do meu computador, é precisamente a mesma que explica que um número assustadoramente elevado de pessoas continue a seguir à risca os seus livros sagrados.

De acordo com uma sondagem da Gallup, cerca de 50% dos eleitores americanos fazem parte dessas pessoas (o que não deixa de ser assustador…) não obstante muitos teólogos afirmarem que já não seguem à risca o livro do Génesis.

Comece-se, então, este livro pela conhecida história da Arca de Noé que sendo encantadora tem, no entanto, uma moral perfeitamente aterradora que revela a consideração que Deus tinha pelos humanos pois, à excepção de uma única família, afogou-os a todos, incluindo crianças, e os restantes animais.

Na destruição de Sodoma e Gomorra o equivalente a Noé escolhido para ser salvo foi Lot, sobrinho de Abraão, porque era incomparavelmente justo.

Dois anjos foram enviados a Sodoma para avisar Lot que saísse da cidade antes desta ser assolada pelo enxofre.

Hospitaleiro, Lot, recebeu os anjos em sua casa, após o que todos os homens de Sodoma se juntaram em redor e exigiram que ele lhes entregasse os anjos para (que outra coisa haveria de ser?) os sodomizarem.

“Onde estão os homens que entraram na tua casa esta noite. Trá-los cá para fora para nós os conhecermos” (expressão utilizada para a sodomização)  (Génesis 19:5)

Sim, “conhecer” tem o habitual significado eufemístico da versão autorizada da Bíblia, o que, no contexto, é bastante curioso.

A galhardia com que Lot se recusa a ceder a tal exigência sugere que Deus terá acertado ao elegê-lo como o único homem bom de Sodoma.
(continua)

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