quinta-feira, outubro 18, 2012


OS OLHOS


A vida moderna está muito distante da sociedade de pequena escala que em tempos fomos e às vezes torna-se tão hierárquica e competitiva que mais parece um bando de chimpanzés ou uma matilha de lobos.


O que acontece quando atravessamos a divisória da cooperação em sentido contrário? Deixamos de falar e pomo-nos a apontar para mostrar as coisas uns aos outros? Evitamos o contacto visual?

Pergunto-me se os óculos de sol não serão uma maneira moderna de correr as cortinas sobre as janelas da alma, como os olhos opacos dos nossos parentes primatas. Quando não se destinam a proteger do sol, não serão usados sobretudo em ambientes sociais competitivos e hierárquicos?

Cheio de curiosidade a este respeito, David Sloan Wilson, enviou um e-mail a Mike Tomaselo, exactamente o cientista que desenvolveu a teoria "do olho cooperativo" para explicar como os nossos olhos se tornaram tão diferentes dos outros primatas, e recebeu a seguinte resposta:

- "Não conheço dados, mas vi o Campeonato Mundial de Pocker na televisão e todos eles usavam óculos escuros de sol."

Estes comportamentos revelam uma preocupação competitiva prevalecente que é o contrário da que teve por base a evolução dos nossos olhos. Incapazes de os tornar opacos, como os dos chimpazés, tapamo-los com óculos escuros.

A humanidade evoluiu, cresceram os grupos sociais, hierarquizaram-se inevitàvelmente, as "cartas" do evolucionismo estavam lançadas, a humanidade encontrava-se por sua conta..., o igualitarismo das sociedades primitivas dos Bosquímanos do Kalahari ficou desadequado, milhões de anos de evolução tornaram os nossos olhos perigosos aos nossos intentos... a competição veio para ficar, resta saber se para nos destruir.

Certo, é que nos continuamos a extasiar perante uns olhos bonitos, expressão máxima da beleza natural do rosto humano. A evolução fez o seu trabalho, levou-nos, dentro dos nossos pequenos grupos sociais, com o toque de beleza dos nossos olhos, à igualdade, entreajuda e harmonia, e nós, para além de nos continuarmos a apaixonar por eles, vamos continuar a escondê-los para surpreendermos o nosso adversário?


Por favor, olhem-me, olhos nos olhos, frontalmente, olhem para dentro de mim, os olhos são a janela do meu rosto, abertas de par em par aguardam a tua visita, o interesse da tua pessoa por mim, há!,  e se vierem de óculos escuros, daqueles muitos escuros, horríveis e ameaçadores, que se usam agora, tirem-nos para cumprimentarem, como se fazia antigamente quando se andava de boné ou chapéu.
Nunca poderei esquecer a forma como o povo Luena se cumprimentava quando se cruzavam nos caminhos, lá nas terras do “fim-do-mundo”, do Alto-Zambeze, no Leste de Angola.
Parados, em frente um do o outro, os pulsos seguros com firmeza, perguntavam, os olhos nos olhos, brilhando de alegria por se verem:
 - “Gum”… “Gum”… “Gum”? … (estás bom?)
 Jamais aquele “olá”, olhando em frente, sem parar, baixando ligeiramente a cabeça, leve aceno de braço… mais despedimento que cumprimento…

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