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Batalha de Ourique ( I )
A batalha de Ourique travou-se no pino
da estação quente, quando a planície alentejana, tornada forno, assava as codornizes
em pleno voo se elas, entretanto, não pousassem.
Os soldados da Cruz, cobertos de ferro,
esgrimindo o pesado montante, breve esgotavam as borrachas que eles ou os
pajens traziam à cinta, como hoje os soldados usam o cantil.
Os árabes, nos cavalos magros e esguios,
armados de alfange, incomparavelmente mais leve, afeitos ao clima africano
encontrar-se-iam em melhores condições pessoais do que os seus adversários.
Todavia, foram batidos, segundo consta
das crónicas, pela força das armas, é verdade mas secundado o Infante pelo
braço inquebrantável de Senhor. O milagre, temos de concordar com Alexandre
Herculano, não se operou, bem entendido, pela intervenção concreta de novos
factores guerreiros ou como um aliado que subitamente comparece no campo da
refrega.
O milagre pode exercer-se mercê de
circunstâncias psicológicas, que não estamos em condições de medir mas apenas
de supor. Chamam-se, hoje em dia, a esses fenómenos de sugestão para uns,
alucinatórios para outros, umas vezes por razões místicas, outras vezes obra de
impostores e assim podem gregos e troianos convir no milagre de Ourique, que
sagrou o pendão real de D. Afonso Henriques.
Se Cristo, com as cinco chagas abertas a
irradiar lume apareceu ou não apareceu a D. Afonso Henriques não se discute.
A verdade é que a coorte dos seus assim
o julgou e acreditou. Os vindouros tornaram-se eco da voz que correu no arraial
cristão e explica o feito estranho de uma vitória ganha no coração da mourama a
muitas dezenas de léguas dos bastiões cristãos, contra cinco cabos moiros.
O materialismo histórico veio com a sua
foice impiedosa e ceifou este açucenal de poesia e lenda. Podia o Deus soberano
intervir de modo tão precário nas contendas dos homens, terçando armas
restritas e parciais?
Não era igualmente pai de cristãos e
serracenos?
De certo era pai de uns e de outros, se
bem que os muçulmanos representassem na Península a violência e a invasão,
actos característicos dos povos piratas. Mas, como digo, milagre aqui foi o conjunto de factos anormais ou mesmo
prodigiosos, desenvolvendo-se num teatro favorável ao imaginativo de que foram
agentes pessoas dispostas pelo seu psiqui smo
a ver o dedo sobrenatural em tudo o que nós hoje denominamos heroísmo ou
temeridade exercendo-se num meio propício, que, incrédulos mas classificadores
até à morte, também denominamos azar, bom azar, e os jogadores chamam
prosaicamente «sorte de cão».
Foi em Campo de Ourique, Baixo Alentejo
que se travou a célebre batalha, sendo inacreditável que perdurasse nos cronicões
literários da época um topónimo agrário ou coisa parecida, se nos reportarmos
ao obscuro Ourique, em prejuízo de outros termos geográficos de lugares
circundantes que ao tempo desfrutavam mais preferência do que aquele Ourique.
E não se argumente que Ourique pode
representar, tal como um marco miliário, a posição precisa da batalha e como
tal se inscreveu na história.
(continua)
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