Agora percebo porque gosto tanto de cerejas... |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 150
Ela não compreendia. Se seu Nacib tivesse vontade, bem
que podia ir com outra deitar, nos seus braços dormir. Ela sabia que Tonico
dormia com outras. Dona Arminda contava que ele tinha um horror de mulheres. Mas,
se era bom deitar-se com ele, brincar com ele na cama, porque exigir que fosse
só ela? Entendia não.
Gostava de dormir nos braços de um homem. Não de
qualquer. De moço bonito como Clemente, como Tonico, como seu Nilo, como
Betinho, ah!, como Nacib. Se o moço também queria, se a olhava pedindo, se
sorria para ela, se a beliscava, porque recusar, porque dizer não? Se estavam
querendo tanto um como o outro? Não via porquê. Era bom dormir nos braços de um
homem, sentir o estremecimento do corpo, a boca a morder, num suspiro morrer.
Que seu Nacib se zangasse, ficasse com raiva, sendo
casado, isso entendia. Havia uma lei, não era permitido. Só o homem tinha
direito, não o tinha a mulher. Ela sabia, mas como resistir? Tinha vontade, na
hora fazia, nem se lembrava que não era permitido.
Tomava cuidado para não ofendê-lo, para não magoá-lo. Mas
nunca pensara que ia tanto ofender, tanto magoar. Daí a uns dias, o casamento
acabado, acabado para a frente, acabado para trás, porquê seu Nacib continuaria
com raiva?
De algumas coisas ela gostava, gostava demais: do sol
da manhã antes de muito esquentar. Da água fria, da praia branca, da areia e do
mar. De circo, de parque de diversões. De cinema também. De goiaba e pitanga. Das
flores, dos bichos, de cozinhar, de comer, de andar pela rua, de rir e de
conversar. Com senhoras cheias de si gostava não.
Mais que tudo gostava de moço bonito, nos seus braços
dormir, gemer, suspirar. Dessas coisas gostava. E de seu Nacib. Dele gostava de
um gostar diferente. Na cama para gemer, beijar, morder, suspirar, morrer e renascer.
Mas também para dormir de verdade, sonhando com o sol, com o gato bravio, com a
areia da praia, a lua do céu e a comida a fazer. Sentindo em suas ancas o peso
da perna de seu Nacib.
Dele gostava de mais, muito de mais, sentia sua falta,
atrás da porta se escondia para espiá-lo chegar. Muito tarde chegava, por vezes
bêbado. Tanto gostaria de tê-lo outra vez, no seu peito deitar a cabeça
formosa, de ouvi-lo dizer-lhe coisas de amor numa língua estrangeira, de ouvir
sua voz murmurando.: «Bié!»
Só porque a encontrara na cama a sorrir para Tonico. Que
importância tão grande, porque tanto sofrer, se ela deitava com um moço? Não
tirava pedaço, não ficava diferente, gostava dele da mesma maneira, e não podia
ser mais. A!, não podia ser mais. Duvidava existisse no mundo mulher a gostar
tanto de um homem, para com ele dormir ou para com ele viver, fosse irmã, fosse
filha, fosse mãe, amigada ou casada, como ela gostava de seu Nacib.
Tanta coisa, esse barulho todo, só porque a encontrara
com outro? Nem por isso gostava menos. Menos o queria, menos sofria porque ele
não estava.
D.ª Arminda jurava que seu Nacib jamais voltaria,
jamais a seus braços. Queria, pelo menos, cozinhar para ele. Onde ele iria
comer? E o bar, quem prepararia salgados e doces? E o restaurante que estava
pra se abrir? Queria, pelo menos, cozinhar para ele.
E queria, como queria!, vê-lo sorrir com seu rosto tão bom, sua cara bonita. Sorrir
junto dela, tomá-la nos braços, dizer-lhe Bié, enfiar os bigodes no cangote
cheiroso. Não havia no mundo mulher que tanto gostasse de um homem, que com
tanto amor suspirasse por seu amado como suspira, morta de amor, Gabriela por
seu Nacib.
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