segunda-feira, novembro 26, 2012


AFONSO HENRIQUES
Nosso Rei Fundador
(continuação –III)


 - «Senhor, não foste bem aconselhado, vindo cercar esta vila, lançando-vos assim contra vosso primo, que é o cavaleiro que vós sabeis, tão brioso como cauto. Tanto dentro da vila como em seu termo ajuntou gente em barda, pois que andava temido e suspeitoso convosco que sois grandes na força e nas façanhas. Sim, real Senhor, depois do encontro que por má sorte de ambos sustentastes, ele mais não tem feito que pôr-se a recato para este e outros casos, fortalecendo fortalezas e vilas, contando até que leve anos o cerco.

E assim ocupados, resignai-vos a deixar as mãos livres aos fronteiros ambiciosos e aos serracenos, inimigos figadais da cristandade e do Senhor dos altos Céus? Quanto a vosso primo reconhecer-vos senhorio, afigura-se-me que, se partísseis daqui sem dar a impressão que ele viria a proceder por medo ou violência, não seria impossível induzi-lo a dirigir-se para tal fim às vossas cortes, e eu por ele e de tanto me prontifico a render-vos preito e homenagem».

Estas palavras calaram no ânimo de el-rei de Castela, tão pronto de ânimo como de actos, que logo levantou o arraial e se foi para o seu reino.

O Infante é que ficou descontente quando tomou conhecimento do que se passara. Ao que o aio atalhou dizendo:

 - «Atenta, senhor, quem vos livrou de cerco, vos livrará da vassalagem!»

Assim, quando se celebraram cortes em Toledo, do infante D. Henrique nem novas nem mandatos. Em vez dele, compareceu Egas Moniz com mulher e filhos, descalços, vestidos com alva de penitentes e um baraço ao pescoço. E depois de se por de joelhos perante o imponente soberano, em voz entrecortada de soluços gemeu a deprecada*:

 - Senhor, eu vos fiz homenagem e aqui me apresento, com a língua que a prometeu e as mãos que a juraram, para pagar. Demais, eu vos trago mulher e filhos para satisfazerdes vossa ira se não vos bastar o castigo do meu corpo.

O que fiz, meu senhor, fi-lo por um menino que trouxe nos braços, que ajudei a criar, que vi a burrinhar no chão. Coitado, como podia ele resistir ao vosso grande poder, sem homens, sem víveres em casa, se eu não tomasse o conselho de praticar o que pratiquei?

O rei possuído de grande senha, logo ali o quis mandar degolar. Mas os fidalgos se intrometeram atalhando:

 - Senhor, D. Egas procedeu como nobre e leal vassalo. Tomaram os príncipes encontrar sempre destes servidores que mais têm jus à mercê que ao castigo!

 Abrandou el-rei de Castela em sua ira e o mandou na paz de Deus com muitos afagos e dons.

Assim começou o reinado deste grande príncipe D. Afonso I de Portugal, tal os contos da Madre Silva, com altos feitos de bravura e gentileza, muitas cenas de amor, lealdade e deslealdades, e sangue de todas as ralés a correr.
(continua)

Site Meter