sexta-feira, novembro 23, 2012


Afonso Henriques

- O Nosso 1º Rei – O Fundador


Extraído da Obra de Aquilino
Ribeiro – Príncipes de Portugal -
- Suas Grandezas e Misérias.


No seu leito de agonizante, voz sumida e entrecortada, olhos gázeos de quem está a passar as alpodras* para as paragens de que nunca mais se volta, o conde D. Henrique ditava ao filho as últimas vontades. Era nos paços de Astorga:**

 - "Desta terra que te deixo, não percas um palmo. Ganhei-a à custa de muito esforço e trabalho. Convoca os Concelhos para que te prestem homenagem e leva-me depois a enterrar a Santa Maria de Braga, que eu povoei. Mas regressa depressa, que esta vila deves guardar a todo o preço, pois daqui podes romper adiante à conquista de terra.

Se te parecer mais seguro, manda-me a enterrar com alguns vassalos meus e teus. E eu te abençoo, filho do coração, para que sejas sempre ao serviço de Deus com muita e prosperada honra."

O Infante, logo que o pai cerrou os olhos, tratou de cumprir o que ele ordenara. Entre acompanhar ou não o corpo à sepultura, quis proceder como os conselhos determinassem. E ele lá foi, a alma de luto carregada de pesares e sobressaltos.

Quando voltou a mata-cavalo, encontrou a terra sonhoreada por seu primo, rei de Castela.

Foi esta a primeira e dura lição aos seus crédulos e inexperientes anos. E agora?

Volveu a Portugal para levantar gente e não encontrou castelo ou choupana onde se acolher.

Que sina a sua!

Por um lado, esbulham-no no que era seu e por outro escorraçavam-no como desmancha-prazeres e aventureiro. Sua mãe, D. Teresa, não podia fugir à matéria de que era feita sua irmã, D. Urraca, que todos os historiadores dão como uma maluca de tomo, infiel a dois maridos com vários amantes e aos amantes com quantos bonifrates souberam falar aos seus bonitos olhos.

Ainda o corpo do conde D. Henrique não arrefecera na campa já ela se matrimoniava com D. Vermuim Peres de Trava, fidalgo galego  de muita prosápia e ainda a lua-de-mel não era transcorrida, viera o irmão deste, Fernando Pernes de Trava, conde da Trastâmara e porque, fosse ele muito abutre ou ela muito garça, tomou-lha.

O que se esqueceram foi de explicar como foi possível acomodar o direito canónico com tão volúvel fantasia de mariposa.

Por toda a Galiza e terras portucalenses não houve frade nem leigo que não levasse a mão à testa a benzer-se.

Quando o infante D. Henrique se viu desagasalhado de todo porquanto a terra que o pai lhe deixou se alçara para a mãe e para o conde da Trastâmara, correu trancos e barrancos como um Lobato sem covil.

Por artes e manhas conseguiu introduzir-se nos castelos de Feira e de Neiva, que ergueram pendão por ele e, daqui, desatou a guerrear com o padrasto, fazendo-lhe quanto mal podia e não lhe deixando um instante de tranquilidade.

Então, o padrasto, Fernando Peres de Trava, propôs-lhe o seguinte acordo:

 - Acabemos com isto, que estas sarrafuscas não conduzem a nada mais do que a moermos a paciência de parte a parte.

Proponho-vos que nos encontremos onde e quando quiserdes, e quebremos lanças. A sorte das armas dirá quem há-de sair de Portugal, eu ou vós.
(continua)


* Alpodras - Pedras que se colocavam no leito dos rios pouco fundos para se porem os pés e passar para a outra margem.

** Astorga - Na sua origem era um assentamento celta tendo-se tornado mais tarde uma fortaleza romana da região a que chamaram Astúrica a norte da fronteira de Portugal. A cidade foi fundada em 14 aC pelo imperador Octávio com o nome de Astúrica Augusta. Ainda hoje são visíveis as ruínas dos banhos turcos.

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