- O Nosso 1º Rei – O Fundador
Extraído da Obra de Aqui lino
Ribeiro – Príncipes de Portugal -
-
Suas Grandezas e Misérias.
No seu leito de agonizante, voz sumida e
entrecortada, olhos gázeos de quem está a passar as alpodras* para as paragens
de que nunca mais se volta, o conde D. Henrique ditava ao filho as últimas
vontades. Era nos paços de Astorga:**
- "Desta terra que te deixo, não percas um palmo. Ganhei-a à custa de muito
esforço e trabalho. Convoca os Concelhos para que te prestem homenagem e
leva-me depois a enterrar a Santa Maria de Braga, que eu povoei. Mas regressa
depressa, que esta vila deves guardar a todo o preço, pois daqui podes romper adiante à conqui sta
de terra.
Se te parecer mais seguro, manda-me a
enterrar com alguns vassalos meus e teus. E eu te abençoo, filho do coração,
para que sejas sempre ao serviço de Deus com muita e prosperada honra."
O Infante, logo que o pai cerrou os
olhos, tratou de cumprir o que ele ordenara. Entre acompanhar ou não o corpo à
sepultura, qui s proceder como os
conselhos determinassem. E ele lá foi, a alma de luto carregada de pesares e
sobressaltos.
Quando voltou a mata-cavalo, encontrou a
terra sonhoreada por seu primo, rei de Castela.
Foi esta a primeira e dura lição aos
seus crédulos e inexperientes anos. E agora?
Volveu a Portugal para levantar gente e
não encontrou castelo ou choupana onde se acolher.
Que sina a sua!
Por um lado, esbulham-no no que era seu
e por outro escorraçavam-no como desmancha-prazeres e aventureiro. Sua mãe, D.
Teresa, não podia fugir à matéria de que era feita sua irmã, D. Urraca, que
todos os historiadores dão como uma maluca de tomo, infiel a dois maridos com
vários amantes e aos amantes com quantos bonifrates souberam falar aos seus
bonitos olhos.
Ainda o corpo do conde D. Henrique não
arrefecera na campa já ela se matrimoniava com D. Vermuim Peres de Trava,
fidalgo galego de muita prosápia e ainda
a lua-de-mel não era transcorrida, viera o irmão deste, Fernando Pernes de
Trava, conde da Trastâmara e porque, fosse ele muito abutre ou ela muito garça,
tomou-lha.
O que se esqueceram foi de explicar como
foi possível acomodar o direito canónico com tão volúvel fantasia de mariposa.
Por toda a Galiza e terras portucalenses
não houve frade nem leigo que não levasse a mão à testa a benzer-se.
Quando o infante D. Henrique se viu desagasalhado
de todo porquanto a terra que o pai lhe deixou se alçara para a mãe e para o
conde da Trastâmara, correu trancos e barrancos como um Lobato sem covil.
Por artes e manhas conseguiu
introduzir-se nos castelos de Feira e de Neiva, que ergueram pendão por ele e,
daqui , desatou a guerrear com o
padrasto, fazendo-lhe quanto mal podia e não lhe deixando um instante de tranqui lidade.
Então, o padrasto, Fernando Peres de Trava,
propôs-lhe o seguinte acordo:
-
Acabemos com isto, que estas sarrafuscas não conduzem a nada mais do que a
moermos a paciência de parte a parte.
Proponho-vos que nos encontremos onde e
quando qui serdes, e quebremos
lanças. A sorte das armas dirá quem há-de sair de Portugal, eu ou vós.
(continua)
* Alpodras - Pedras que se colocavam no leito dos rios pouco fundos para se porem os pés e passar para a outra margem.
** Astorga - Na sua origem era um assentamento celta tendo-se tornado mais tarde uma fortaleza romana da região a que chamaram Astúrica a norte da fronteira de Portugal. A cidade foi fundada em 14 aC pelo imperador Octávio com o nome de Astúrica Augusta. Ainda hoje são visíveis as ruínas dos banhos turcos.
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