Viriato, o nosso heróico Avô |
VIRIATO
– Nosso Avô
(3ª e última Parte)
Até obter êxito completo, a política de
chão queimado e guerra total, a luta foi áspera e copiosa em vicissitudes. Anos
a fio, com Viriato à testa dos montanheses, o Senado via a campanha colonial
evoluir de mal a pior.
Já não mandava Pretores mas Cônsules, e
com efectivos plenos. Um destes, foi Q.F.M. Serviliano, amassado de melhor
barro que o dos capitães que vinham à Hispânia para enriquecer.
Foi ele o primeiro que encurralou Viriato
nos esconderijos das serras. Mas, de preferência a transpor os umbrais dos
castros mas eis que, num lance arrojadíssimo da táctica do retorno ofensivo,
quando o Procônsul montava o assédio a uma dessas cidades que haviam praticado
política dúplice: estarem simultaneamente bem com Deus e com o Diabo, rompe
Viriato.
Os romanos ficaram a tal ponto fulminados
pela surpresa que nem sequer esboçaram a tentativa de se defenderem. Iam se
deixar trucidar engarrafados numa bolsa natural do terreno, quando o Procônsul
se lembrou de mandar parlamentares ao inimigo. E sucedeu o milagre de todo
imprevisto:
-
Viriato cedeu às vozes das sereias.
Os romanos transportaram o arraial para
lugar onde, desde logo livres de perigo, ficavam ainda a coberto das fundas dos
lusitanos. Que não obtivessem outros resultados aquele já excedia todas as
expectativas.
Viriato mostrou-se moderado nas condições
de paz que propôs e ambos os capitães assinaram de livre vontade.
Grosso modo, rachava-se a Hispânia de meio
a meio: para aqui mandamos nós, para
ali mandais vós. Estabelecia-se a liberdade de trânsito e de comércio de parte
a parte; trocavam-se prisioneiros e reféns; consignava-se o respeito mútuo de
pessoas e vidas… que nem a Carta do Atlântico dois milénios mais tarde!
Maravilham-se os entusiastas de Viriato
como é que o experimentado capitão deixou escapar as feras da armadilha. As
feras, bem entendido, eram os romanos, mestres na perfídia e na crueldade.
Mas era preciso ver a situação no
concreto:
-
Viriato, batera sucessivamente os Pretores Vetúlio, Pláucio, Cláudio Unimano,
C. Nigídio, fatigado o Cônsul Fábio Máximo, vencido o Ptretor Quíncio, via-se agora a braços com o Procônsul Serviliano e, no todavia, sempre mais e mais
desembarcavam mais vagas de romanos, umas após outras.
Era uma fonte inesgotável vinda da Itália,
da Gália, da Hispânia Ulterior, de todos os lugares do vasto e ignorado mundo.
Só da Numídia tinham vindo recentemente 10 elefantes e 300 ginetes de guerra.
Nestas condições, a sua relutância em
prosseguir a luta. O mais assizado era negociar, subscrever qualquer paz com os
romanos quando eles se encontravam numa situação precária e em manifesta
inferioridade.
Esta renúncia à carnificina, que os
historiadores, pressurosos, censuram a Viriato, devia significar antes uma
contemporização da sua inteligência, tão subtil como oportuna.
Aquela paz, foi no entanto, sol de pouca
dura. O Senado recusou-se a referendar o tratado. Era sempre assim:
-
Quando os seus plenipotenciários negociavam instrumentos favoráveis aos
interesses e à glória do Império eles eram idóneos, caso contrário eram
desautorizados.
Rasgado, portanto, o tratado, foi enviado
Quinto Servílio Cipião, com o respectivo exército. Ele era um homem de um
bairro de Roma, do Coliseu, jogador, falsário e de gostos refinados.
Instalou-se entre o Douro e o Tejo Médio e
os seus enviados apresentaram-se envoltos na proverbial pele de lobo e
empunhando o ramo de oliveira.
-
Que condições pedis, para que seja celebrada a paz?
O romano exigiu a entrega dos maiorais…
Era uma terrível exigência, mas sempre foi dura a lei do mais forte, e talvez
significasse o prefácio de todas as rendições.
Submeteram-se. Servílio mandou executar
uns e cortar a mão a outros. Astolpas, sogro de Viriato, que figurava no rol,
preferiu logo acabar ali com a vida. Um guerreiro cortou-lhe a cabeça, se é que
não foi ele próprio que se cravou numa lança.
-
Agora venham as armas – continuou o romano.
Entregar as armas, para além do mais era
ignominioso.
Romperam-se as negociações e ao fim de um
curto período de hostilidades, Viriato enviou ao Procônsul novos mensageiros a
pedir tréguas. Eram celtibéricos da tribo do Urso, recentes aliados de Viriato
e, por isso mesmo, tementes de represálias, uma vez vitoriosos os romanos.
Gente venal.
Aliciados com promessas, quando
regressaram ao arraial lusitano já tudo dormia.
Fácil foi, assim, entrarem na tenda onde o
capitão dormia estirado por terra numa pele e matarem-no com uma cutilada.
Quando, no outro dia, os soldados fiéis,
encontraram o cadáver compreenderam toda a insídia e traição.
Só havia que celebrar as exéqui as. Armaram uma pira gigantesca de lenha e,
içando o corpo ao alto, incineraram-no.
À volta, os guerreiros da tribo dançaram,
jogaram as armas, imolaram os cativos.
Assim acabou o herói, não tardando que a
Lusitânia o seguisse no passe fatal, riscada do número dos povos livres,
crescendo à rédea solta de sua índole e natureza.
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