Em
2006, a
UNESCO reprovou Marvão num Processo de Candidatura a Património Mundial da
Humanidade. Por esse motivo, à data, escrevi àquelas entidades, a carta que se
segue e que agora transcrevo à laia de recordação.
UNESCO
Excelentíssimos Srs:
Dirijo-me a V/Exas. na qualidade do único português que ficou agradado com a
decisão de recusarem integrar Marvão, nosso Património Nacional, no vosso
Património Mundial.
É verdade que a maioria dos meus compatriotas, preocupada que anda com as
prestações da nossa Selecção Nacional de Futebol no Mundial da Alemanha, nem se
apercebeu dessa vossa decisão, mas os restantes ficaram muito desagradados,
ofendidos, diria mesmo furiosos e fala-se até em levar por diante um Movimento
de Protesto.
Não é, felizmente, o meu caso. Pelo contrário, estou-vos agradecido e
explico-vos porquê:
Eu sou muito cioso de certas coisas que são minhas ou do meu país o que, neste
caso, é a mesma coisa, e a vila de Marvão está entre essas coisas que até já
não são em grande número, infelizmente.
Marvão é a mais pequena e bela jóia da arqui tectura
urbanística do passado do meu país. Ela não é só muralhas alcandoradas no cimo
de um monte a quase mil metros de altura, ruas estreitinhas, espaços que trazem
até nós o passado, paisagens que mudam à medida que vamos caminhando à volta
das muralhas.
Ela é tudo isso
num todo único que nos faz reflectir e pensar e sonhar que houve outros tempos,
outras formas de viver os romances de amor, de combater, de lutar, de morrer e
ali, à nossa volta, está o cenário real onde tudo isso acontecia.
Basta sentar, deixar o olhar partir à deriva e… sonhar.
Como Vs/ Exas. já perceberam, a minha relação com Marvão é de grande intimidade
espiritual e, nestes casos, a partilha não é fácil, mesmo com a UNESCO ou com o
Património Mundial que putativamente representam.
Claro que eu estou certo de que, caso Marvão tivesse sido integrada no
Património Mundial, Vs/ Exas. não a iriam deslocalizar para um país asiático, mas nós
já estamos tão traumatizados com as deslocalizações das empresas multinacionais
nesta globalização negativa (porque não é de rosto humano) que as receamos a
propósito de tudo e de nada.
Vejam-me bem, Vs/ Exas., que ao princípio era por causa dos chineses, depois os
países de leste e agora até os nossos vizinhos espanhóis, de Saragoça, já
trabalham mais, melhor e mais barato que nós, à razão de 500 euros por cada
Opel, e por isso lá vai também a nossa fábrica da Azambuja e 0,6% do valor das
nossas exportações. Perdoem-me o desabafo, Vs/ Exas. não têm nada a ver com este assunto.
Mas há ainda uma outra razão que me leva a congratular com a vossa decisão:
-É a devassa a que inevitavelmente iria estar sujeita a nossa vila de Marvão
porque, certamente, Vs/ Exas. iriam inclui-la nos Circuitos Internacionais Turísticos
e eu percebi bem o que isso significa quando visitei Veneza.
Eram turistas aos magotes, de todas as nacionalidades mas principalmente
japoneses, em grupos, pequenos bandos, guiados por uma sombrinha colorida,
deslocando-se apressadamente em passadas miudinhas e rápidas fotografando tudo,
à esquerda, à direita e em frente como se de uma empreitada se tratasse que era
preciso acabar depressa…
Um décimo que fosse dessa "multidão de formigas" hiper-activas na
nossa vila de Marvão, até os nossos antepassados se levantariam escandalizados
dos seus túmulos.
Mas se, no essencial, e pelas razões expostas, Vos estou grato pela decisão que
tomaram, o mesmo não poderei dizer quanto às razões porque o fizeram.
Eu não duvido que Vs/ Exas., para tomarem a decisão que tomaram, não deixaram de
visitar Marvão, mas fizeram-no com certeza numa 6ª feira, e eu sei o que são
essas coisas, também fui funcionário público durante quase 40 anos e reconheço
que as 6ªFeiras são maus dias, para trás ficou uma semana de trabalho e no
outro dia é o tão ambicionado fim-de-semana.
Para agravar as coisas Vs/Exas. tiveram que subir aqueles 1ooo metros, sempre às curvas
e quando chegaram à vila já iam um pouco zonzos da cabeça, em fase de
pré-vómito, os sentidos embotados e um estado de espírito que, por tudo isso,
não era o melhor para avaliar o que quer que fosse, muito menos um colosso
geo-arqui tectónico como Marvão.
Por essas razões até já estou a perspectivar a cena, ou
melhor, as vossas cenas ancoradas nos vossos ricos e fogosos diálogos de fazer
chorar a rir as pedras das velhas calçadas:
- “ O colega já viu estas muralhas, francamente, não têm nada de original!”
- ” Tem toda a razão colega, estas ameias são do mais vulgar e corriqueiro que
tenho visto!”…
– “Vou dar uma informação negativa. De
acordo colega, eu subscrevo.”
Mas então Vs/ Exas. queriam ver coisas nunca vistas, únicas e não nos
avisaram? - Imperdoável!
É que nós teríamos levado Vs/Exas. ao Entroncamento para ali verem e apreciarem os
chamados e muito conhecidos Fenómenos do Entroncamento.
Teriam tido oportunidade de desfrutar uma Couve-galega, absolutamente única,
com 3,5 metros
de altura, uma Melancia com 50
kg e um Par de Tomates cada um deles com 5kg.
Seria depois, da vossa incitativa, deslumbrados que são por coisas únicas,
propô-las ou não a Património Mundial.
Mas nada disto anula o meu sentimento de gratidão para com V/s Exas. pela
decisão tomada, mesmo que esteja isolado nesse sentimento.
Bem Hajam
Joaqui m Luís
Vasconcelos Paula de Matos
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