Um verdadeiro herói |
VIRIATO – O Nosso Avô (II)
Viriato, que durante oito anos teve o
exército de ocupação em cheque, era de algum modo um guerreiro à parte. Os
historiadores latinos, tão dados à avolumação epopaica, ao passo que tentam
denegri-lo em seu natural, exaltam-lhe o génio combativo e estratégico.
Em verdade não devia possuir nenhuma
formação militar especial militar, mas sim ser dotado da arte inata dos seus,
no ataque e na defesa, elevado a sumo grau. Suponha-se que sintetizava de modo
sublimado todas as qualidades bélicas dos seus irmãos e seriam astúcia,
destreza, robustez, frugalidade, denodo e ânimo até à morte.
Não é preciso mais para estarmos perante
um demiurgo - chefe genial .
Comprazem-se ainda os historiadores a
pintá-lo em seus sainetes de espírito e ainda debaixo desse prisma ele parece
superior. Ante os vizinhos indecisos que tanto perfilhavam a causa de Roma como
a causa dos lusitanos, serviu-se de uma parábola, digna de Salomão.
-
Era uma vez um homem, de certa idade, casado com duas mulheres. A mais nova
arrancava-lhe os cabelos brancos porque o queria eternamente moço, a mais velha
tirava-lhe os pretos porque invernando já na sua cabeça, preferia que ele lhe
fosse igual na aparência, se não na realidade. O resultado é que ficou calvo a
breve trecho. Quereis que vos suceda o mesmo?
Parece que as riquezas de Astoplas, seu
sogro, o não seduziram e, encostado à lança, olhara para elas como coisas
caducas no jogo de azar que é a vida, mormente para o homem de guerra.
Impuseram-lhe as vírias - braceletes de
guerreiro - em hora adversa, quando à
superfície do cálice se avistava bem toldado com triaga* o néctar delicioso.
Os Lusitanos, batidos, esfomeados,
cercados por todos os lados, iam entregar-se à mercê do Pretor. Eram os
cordeiros a meter-se na bocarra do lobo. E então, chamou-os ao sentimento da
realidade:
-
Alguma vez os romanos respeitaram a palavra dada?
- Alguma vez tiveram piedade?
-
Alguma vez usaram de clemência?
- Morrer por morrer antes com as armas na mão.
Confiai em mim, recobrai o ânimo e eu juro que nos havemos de salvar!
Calaram nos espíritos aquelas palavras
de esperança e de firmeza. Ergueram-se nos escudos. É de querer que as virias,
se é que pressupunham o governo supremo, lhe fossem então conferidas.
Concertou então o caudilho o estratagema
que se lhe afigurava mais viável: ele investiria de ímpeto e inopinadamente com
a gente de cavalo o flanco das forças romanas. O ataque não podia deixar de
criar certo burburinho e provocar a corrida para o local crítico das demais
tropas.
Então, os combatentes a pé aproveitariam
a confusão para se esgueirar a toda a rosa-dos-ventos. Quanto a eles,
cavaleiros, haveriam de sair-se pelo melhor, oferecendo o menos possível o
corpo aos ginetes pesados dos romanos.
E assim sucedeu. Depois de atacar a má
cara, a gente de pé despediu, tresmalhando em todos os rumos como vespas.
Depois, negaciar, curvetear, furtar-se ao combate, foi a segunda fase da sua
estratégia audaciosa até que se ofereceu o ensejo de tomar à rédea solta o
caminho da montanha. Ali era a casa deles – larga, medonha, cavilosa casa para
os romanos.
Ah! mas Roma não era um adversário
qualquer, personificava a vontade tenaz com inquebrantável força!
As falanges, cobertas de ferro, com
cavalos soberbos de luzentes arreios e levando atrás densas turmas de escravos,
munidos de marrões e alavancas para demolir as citânias – castros de maiores
dimensões, povoados, construídos de pedra granítica ou xistosa, características
dos povos das montanhas da península ibérica, no cimo dos montes por uma
questão de defesa. Muitos foram destruídos pelos romanos mas alguns, dada a sua
excelência, aproveitados e expandidos em futuras cidades romanas - começaram, por sua vez a subir as serras, até
ali invioladas.
Como resistir-lhes?
*Triaga – Medicamento complexo com
sessenta e quatro componentes. Acreditava-se que tinha propriedades de antídoto
para venenos e a sua origem data do Sec. I A.C.
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