quarta-feira, novembro 21, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio nº 144


De como o Árabe Nacib rompeu a lei antiga e demitiu-se, com honra, da benemérita Confraria de São Cornélio, ou de como a Srª Saad voltou a ser Gabriela.


Nua, estendida na cama do casal, Gabriela a sorrir. Nu, sentado à beira do leito, Tonico, os olhos espessos de desejo.

Porque não os matara Nacib? Não era a lei, a antiga lei cruel e indiscutida? Escrupulosamente cumprida, sempre que se apresentava ocasião e necessidade? Honra de marido enganado lava-se com o sangue dos culpados.

Não fazia ainda um ano que o coronel Jesuíno Mendonça a pusera em execução… porque não os matara? Não pensara fazê-lo, à noite, na cama, quando sentia a anca em fogo de Gabriela a queimar-lhe a perna? Não jurara fazê-lo?

Porque não o fizera? Não trazia o revólver na cinta, não o tomara da gaveta do balcão? Não desejava poder olhar de cabeça erguida seus amigos de Ilhéus? Não o fizera, no entanto.

Engano se pensaram ser covardia. Não era covarde, várias vezes provara. Engano, se pensaram não ter dado tempo. Tonico saíra correndo para o quintal, pulara o muro baixo, enfiara as calças sem cuecas pelo corredor de D. Arminda, escandalizada, depois de ter balbuciado a gaguejar:

 - Não me mate, Nacib! Estava só dando uns conselhos…

Nacib nem se lembrou do revólver, estendeu a mão pesada e ofendida. Tonico rolou da borda do leito, para logo pôr-se em pé de um salto, arrebanhar suas coisas de uma cadeira e sumir. Tempo de sobra para atirar e não havia perigo de erro.

Porque não o fizera? Porque em vez de matá-la, apenas a surrou, silenciosamente, sem uma palavra, pancada de criar bicho, deixando manchas de um roxo escuro quase violeta, em sua carne cor de canela.

Ela tão pouco falou, não deu um grito, não soltou um soluço, chorava calada, apanhava calada. Ele ainda batia quando João Fulgêncio chegou, segurou-lhe o braço e lhe disse.

 - Basta Nacib. Venha comigo.

Na porta do quarto parou, falou em voz baixa, de costas:

 - Volto de noite. Não quero lhe encontrar.

João Fulgêncio levou-o para sua casa. Ao entrar fez um sinal à esposa que os deixasse sozinhos. Sentaram-se na sala cheia de livros, o árabe escondia a cabeça nas mãos. Ficou muito tempo calado, depois perguntou:

 - Que é que eu faço, João?

 - Que é que você quer fazer?

 - Vou embora de Ilhéus. Aqui não posso mais viver.

 - Porquê? Não vejo a razão.

 - Coberto de chifres. Como ia viver?

 - Vai mesmo largá-la?

 - Não ouviu o que eu disse? Porque me pergunta? Porque não matei? Por isso pensa que vou continuar casado com ela? Sabe porque não matei? Nunca soube matar… nem uma galinha… nem besouro do mato. Nunca pude matar, nem bicho ruim.

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