segunda-feira, novembro 05, 2012

De preto nunca me comprometo...

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 133


 - Pois eu acho, compadre, que o negro morria e não falava. É um negro correcto, pena ter falhado o tiro.

Aristóteles, curado e influente, declarava que Itabuna votaria unânime em Mundinho Falcão. Engordara ao sair do hospital, fora à Baía, dera entrevistas aos jornais, o Governador não pôde impedir que o Tribunal interviesse no caso. Mundinho mexera com muita gente no Rio, onde o atentado repercutira.

Um deputado da oposição fizera discurso na Câmara Federal, falando da volta dos tempos do banditismo na zona do cacau. Processo difícil. Criminoso ignorado. Dizia-se ter sido um cabra de nome Fagundes que cumpria empreitada com um tal Clemente, nas fazendas de Melk Tavares, derrubando mata.

Mas, como provar? Como provar a participação de Ramiro, de Amâncio, de Melk? O processo terminaria arquivado, com promotor especial e tudo.

 - Sujeitos velhacos… - dizia Ramiro referindo-se aos desembargadores.

Não haviam querido demitir o delegado? Fora preciso mandar Alfredo à Baía, exigir a permanência. Não que o delegado prestasse, um molenga, um moleirão, borrando-se de medo dos jagunços, correndo até do secretário da Intendência de Itabuna, um meninote. Mas se mudassem o tenente, quem ficaria desprestigiado seria ele, Ramiro Bastos.

Conversava com Amâncio, com Tonico, com Melk. Era sua hora de animação, de verdadeiro viver. Porque agora passava parte do dia deitado na cama, só tinha osso e pele e os olhos cuja luz revivia ao falar de política.

Dr. Demóstenes também o visitava todos os dias. De quando em vez auscultava-lhe o coração, tomava-lhe o pulso.

No entanto, apesar de proibido pelo médico, saíra à noite, uma vez. Para ir à inauguração do presépio das irmãs Dos Reis. Não podia faltar. E quem, na cidade deixava de comparecer? A casa cheia, entupida.

Gabriela ajudara Quinquina e Florzinha nos trabalhos finais. Recortara figuras, colara em papelão, fizera flores. Na casa do tio de Nacib encontrou uma revista da Síria, e foi assim que apareceram no democrático presépio alguns maometanos, paxás e sultões orientais.

Para gáudio de João Fulgêncio, de Nhô-Galo e do sapateiro Felipe. Joaquim construíra hidroaviões em cartolina, estavam pendurados sobre a estrebaria, era a novidade daquele ano. Para preservar a sua neutralidade (o presépio, o bar de Nacib e a Associação Comercial eram as únicas coisas que continuavam neutras ante as candidaturas eleitorais).

Quinquina rogou ao Doutor que falasse, Florzinha solicitou discurso ao Dr. Maurício.

Um e outro cobriram de frases bonitas as cabeças prateadas das solteironas. O Capitão segredou-lhes, pedindo seus votos, a promessa de auxílio oficial, se fosse eleito. Para ver o grandioso presépio vinha gente de longe. De Itabuna, de Pirangi, de Água Preta, até de Itapira. Famílias inteiras. De Itapira vieram Dª Vera e Dº Ângela: batiam palmas extasiadas:

 - Que maravilha!

Mas não foram apenas a fama do presépio tradicional que chegara à cidade distante. Chegara também a fama da cozinha de Gabriela.

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