HOJE É
DOMINGO
(Da Minha Cidade de Santarém)
Não está em causa a austeridade, essa, já
a estamos a sentir e sabemos que vai aumentar. Pior ainda, só pode aumentar.
O
que me aflige a mim e aos meus patrícios é a falta de esperança, aqui lo de que há muito se convencionou chamar “a luz
ao fundo do túnel”.
Esta espiral de afundamento, da crise
que gera crise, de promessas vagas e diariamente desmentidas que levam ao
desânimo e à descrença, que minam e corroem o espírito, que nos assaltam de noite
sob a forma de fantasmas e transformam o sonos em pesadelos, constitui a
realidade da nossa sociedade.
Os novos pensam em ir embora, os velhos
já não pensam nada e os que trabalham tremem na eminência de ficarem sem
emprego.
Estou a ver a imagem na televisão daquele
trabalhador belga que na passada semana foi despedido com milhares de colegas
seus pela Ford americana instalada no seu país e que, entrevistado, tinha mais
vontade de chorar do que de falar.
Sim, não pensem que são só os meus
patrícios que sofrem da crise, do desemprego e do empobrecimento. Não, o mundo é
cada vez mais pequeno e o negócio é comprar e vender tudo uns aos outros nesta
nossa sociedade global, estruturada sobre o consumo, sempre mais consumo, numa
espiral sem fim que por vezes se engasga.
Como diz o Presidente da Argentina, José
Pepe Mujica, «não é o homem que governa hoje, são as forças e os interesses que
estão envolvidos que governam o homem» e numa sociedade em que o consumo é o
motor se este pára ou abranda é toda a economia, todas as empresas e trabalhadores que ficam de braços cruzados.
Se as vendas de automóveis baixam de 40 a 50% as fábricas têm de
fechar e os trabalhadores da Ford vão ficar na rua com vontade de chorar como
ficaram em Portugal quando foi da Opel, na Azambuja, há anos, transferida para
países do Leste por causa dos custos mais baixos de mão-de-obra e hoje,
novamente por cá e um pouco por todo o mundo, porque se vendem menos
automóveis. E o que dizemos relativamente aos automóveis pode ser dito para
todos os bens de consumo.
Voltando ao Presidente do Uruguai: “Isto
não é um problema económico é um problema político”, e eu acrescento por
palavras minhas: é pensarmos a nossa vida em novos moldes e desviar a procura
da felicidade no consumir, consumir a todo o custo, para uma outra via que cada
um de nós, consigo e em convívio com os outros, tem de descobrir.
Caminho difícil, muito difícil… mas eu
lembro-me bem que quando era miúdo, menino rico que andava nos estudos e
passava férias na aldeia dos meus avós, encontrava lá pessoas pobres. Nas
aldeias ser pobre não era, com excepção de um outro, ajudado pelos vizinhos
menos pobres, um estado, uma infelicidade, uma desgraça, era natural. Na
ausência de centros comerciais com uma miríade de produtos, havia as feiras
anuais onde se compravam umas botas, calças, camisa, umas guloseimas, há!... e colares
de pinhões enfiados numa linha.
Não sei se os espaços comerciais de hoje
são as feiras do antigamente mas uma coisa vos garanto: as pessoas que as
frequentavam pareciam aos meus olhos de criança e a esta distância a que falo,
para cima de sessenta anos, mais felizes e alegres do que aquelas que hoje
vejo.
Pode ser que a crise que vamos
atravessar seja apenas cíclica, passageira, que daqui
por uns anos assistamos novamente a um recrudescimento da economia e do emprego
que nos permita voltar à felicidade do consumo, pode ser…
Se assim for, não teremos que reinventar
uma nova forma de viver, um outro tipo de vida, uma outra maneira de tentar ser feliz.
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