(Da minha cidade de Santarém)
A vida tem o tamanho de um ai, de um
suspiro, de um bater de pálpebras. Antes dela, o nada, depois dela, o nada.
Entre dois nadas a aventura da vida.
Quando cheguei, o meu tio Henrique,
irmão do meu pai, foi a minha casa conhecer-me. Subiu as escadas ao primeiro
andar, entrou no quarto, pegou-me ao colo e disse:
- Mimi, a Guerra está a começar na
Europa… contou-me mais tarde a minha mãe.
Por coincidência, a minha chegada à vida
anunciava o começo da morte violenta, estúpida, inútil, de muitos milhões de
outras pessoas no continente onde eu tinha acabado de nascer.
Agora, passados mais de setenta anos,
recordo o percurso dessa minha aventura e percebo como tudo teria sido
diferente se tivesse nascido dois países ao lado… paredes-meias com o rebentar
das granadas dos canhões e das bombas lançadas dos céus. É isso, o acaso da
vida começa com o local onde se nasce, o seio da família que nos recebe e o
amor, aqui lo que perseguimos como
sendo a felicidade.
A felicidade, questão pessoal, muito íntima,
que estando ligada à sobrevivência e ao bem-estar não se confunde, no entanto,
com eles. Sendo o segredo da vida, o amor é o ingrediente chave.
Nesta hora, que vai sendo de balanço,
vivo num país de pessoas angustiadas. Hoje, setenta e tal anos depois, o meu
tio Henrique, teria ido a minha casa, subido as escadas até ao primeiro andar,
entrado no quarto, pegado em mim ao colo e dito para a minha mãe:
-
Sabes, Mimi, rebentou a Crise na Europa.
Quero crer que, ao nível do continente, fizemos
um enorme progresso.
Da morte, não nos podemos livrar… ela é
definitiva, apenas ficam as lágrimas, as saudades dos que morreram na guerra e o espectáculo vergonhoso dos cadáveres espalhados pelas ruas.
Da crise, podemos sair. Está nas nossas mãos.
Somos suficientemente inteligentes e, para além disso, nós, portugueses, temos
excelentes capacidades de ajustamento, flexibilidade e imaginação, mais que
quaisquer outros. No meio dos sofrimentos fazemos maravilhas. Temos o treino e
a experiência de oito séculos de um passado colectivo duro, quase sempre vivido
em crises permanentes.
Mas não gosto de ouvir aqui lo que muitos economistas dizem ou escrevem
porque se a hora é de crise e sofrimento porque utilizam o seu muito saber para
aumentar o desespero e a angústia dos seus compatriotas?
Diz o economista João Ferreira do
Amaral:
-
«Vamos sair desta crise mais velhos, mais pobres, mais desiguais e mais
violentos». De fugir…
O Dr. João Ferreira do Amaral foi dos
poucos economistas que disse antes e tem vindo sempre a dizer depois de termos
aderido ao Euro que não o devíamos ter feito e justifica-o com razões muito
plausíveis do ponto de económico e financeiro.
Este senhor foi conselheiro económico de
dois Presidentes da República, pessoa credível e respeitada mas, nestas coisas,
não é o dono da verdade, ninguém é dono da verdade. A sua posição é rebatível e
nunca saberemos como estaríamos hoje se tivéssemos ficado sozinhos na Europa
com o nosso escudo e, como estaríamos, se o nosso comportamento e o dos
responsáveis que conduzem os destinos europeus tivesse sido outro dentro do
período de vigência do Euro.
O Dr. João Ferreira do Amaral inclui nas
suas previsões, como desfecho: mais velhice, (com certeza no sentido em que são
os mais novos que saem do país, os que ficam continuarão a envelhecer e a
natalidade a baixar), mais pobreza, mais desigualdade e mais violência, tudo desfechos
muito prováveis e, exactamente por isso, não os devia ter realçado pela mesma
razão que não se diz a um soldado ao embarcar para uma guerra que ele vai
morrer ou regressar estropiado.
Nasci com uma Guerra na Europa e no
mundo, participei como militar numa outra, em Angola e sei, de experiência
feita, que enquanto lá estamos a morte está no nosso espírito… mas que não me
falassem dela.
Quem está a viver uma crise sabe os
problemas e o sofrimento porque passa e não duvida que no fim, quando a crise
passar, não sabe quando, vai estar mais pobre, mais sofrido e duvido que mais
violento… mas, por favor, não lhe falem disso.
Tudo o que deprime contribui para a
crise de tal forma que, se estivéssemos numa guerra, diria que alguém estava a
fazer o jogo do inimigo.
De preferência, digam antes como o bruxo Túlius
Detritus, no livro de aventuras de“Astérix e a Zaragata”, com todo o seu poder de adivinhação:
- «Depois da tempestade vem a bonança»
Nos dias de hoje, ele actualizaria:
- «Depois da crise vem a abastança...»
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