domingo, novembro 11, 2012


HOJE É DOMINGO
(Da minha cidade de Santarém)


A vida tem o tamanho de um ai, de um suspiro, de um bater de pálpebras. Antes dela, o nada, depois dela, o nada. Entre dois nadas a aventura da vida.

Quando cheguei, o meu tio Henrique, irmão do meu pai, foi a minha casa conhecer-me. Subiu as escadas ao primeiro andar, entrou no quarto, pegou-me ao colo e disse:

- Mimi, a Guerra está a começar na Europa… contou-me mais tarde a minha mãe.

Por coincidência, a minha chegada à vida anunciava o começo da morte violenta, estúpida, inútil, de muitos milhões de outras pessoas no continente onde eu tinha acabado de nascer.

Agora, passados mais de setenta anos, recordo o percurso dessa minha aventura e percebo como tudo teria sido diferente se tivesse nascido dois países ao lado… paredes-meias com o rebentar das granadas dos canhões e das bombas lançadas dos céus. É isso, o acaso da vida começa com o local onde se nasce, o seio da família que nos recebe e o amor, aquilo que perseguimos como sendo a felicidade.

A felicidade, questão pessoal, muito íntima, que estando ligada à sobrevivência e ao bem-estar não se confunde, no entanto, com eles. Sendo o segredo da vida, o amor é o ingrediente chave.

Nesta hora, que vai sendo de balanço, vivo num país de pessoas angustiadas. Hoje, setenta e tal anos depois, o meu tio Henrique, teria ido a minha casa, subido as escadas até ao primeiro andar, entrado no quarto, pegado em mim ao colo e dito para a minha mãe:

 - Sabes, Mimi, rebentou a Crise na Europa.

Quero crer que, ao nível do continente, fizemos um enorme progresso.

 Da morte, não nos podemos livrar… ela é definitiva, apenas ficam as lágrimas, as saudades dos que morreram na guerra e o espectáculo vergonhoso dos cadáveres espalhados pelas ruas.

 Da crise, podemos sair. Está nas nossas mãos. Somos suficientemente inteligentes e, para além disso, nós, portugueses, temos excelentes capacidades de ajustamento, flexibilidade e imaginação, mais que quaisquer outros. No meio dos sofrimentos fazemos maravilhas. Temos o treino e a experiência de oito séculos de um passado colectivo duro, quase sempre vivido em crises permanentes.

Mas não gosto de ouvir aquilo que muitos economistas dizem ou escrevem porque se a hora é de crise e sofrimento porque utilizam o seu muito saber para aumentar o desespero e a angústia dos seus compatriotas?

Diz o economista João Ferreira do Amaral:

 - «Vamos sair desta crise mais velhos, mais pobres, mais desiguais e mais violentos». De fugir…

O Dr. João Ferreira do Amaral foi dos poucos economistas que disse antes e tem vindo sempre a dizer depois de termos aderido ao Euro que não o devíamos ter feito e justifica-o com razões muito plausíveis do ponto de económico e financeiro.

Este senhor foi conselheiro económico de dois Presidentes da República, pessoa credível e respeitada mas, nestas coisas, não é o dono da verdade, ninguém é dono da verdade. A sua posição é rebatível e nunca saberemos como estaríamos hoje se tivéssemos ficado sozinhos na Europa com o nosso escudo e, como estaríamos, se o nosso comportamento e o dos responsáveis que conduzem os destinos europeus tivesse sido outro dentro do período de vigência do Euro.

O Dr. João Ferreira do Amaral inclui nas suas previsões, como desfecho: mais velhice, (com certeza no sentido em que são os mais novos que saem do país, os que ficam continuarão a envelhecer e a natalidade a baixar), mais pobreza, mais desigualdade e mais violência, tudo desfechos muito prováveis e, exactamente por isso, não os devia ter realçado pela mesma razão que não se diz a um soldado ao embarcar para uma guerra que ele vai morrer ou regressar estropiado.

Nasci com uma Guerra na Europa e no mundo, participei como militar numa outra, em Angola e sei, de experiência feita, que enquanto lá estamos a morte está no nosso espírito… mas que não me falassem dela.

Quem está a viver uma crise sabe os problemas e o sofrimento porque passa e não duvida que no fim, quando a crise passar, não sabe quando, vai estar mais pobre, mais sofrido e duvido que mais violento… mas, por favor, não lhe falem disso.

Tudo o que deprime contribui para a crise de tal forma que, se estivéssemos numa guerra, diria que alguém estava a fazer o jogo do inimigo.

De preferência, digam antes como o bruxo Túlius Detritus, no livro de aventuras  de“Astérix e a Zaragata”, com todo o seu poder de adivinhação:

 - «Depois da tempestade vem a bonança»

Nos dias de hoje, ele actualizaria: 

 - «Depois da crise vem a abastança...»

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