sexta-feira, dezembro 14, 2012

D. AFONSO II 

D. AFONSO II

Depois do Conquistador o Seareiro. A seguir à espada, a charrua. Alonga-se a perspectiva…

Sancho, seu filho, procurou que o arado sulcasse a terra regada com tanto sangue, sendo que aqui e ali ainda foi preciso arredondar a herdade, murá-la, e expulsar o serraceno. Por isso, este rei, não foi apenas arroteador das terras mas também conquistador.

Quando morreu, estava farto de dar golpes, mais do que ver ondear as searas ao vento que vinha do mar. Morreu a bater o dente com o medo dos infernos e esteve quase destruir a obra magnífica que realizara desbaratando o dinheiro que tinha para os cofres pelo clero.

Depois, foi-se ao território e rasgou-o às três pancadas. Pega tu, Mafalda, as terras de Alenquer; para ti, Sancha, as terras de Esgueira e de Montemor com todas as prerrogativas de Estados livres.

Rompia-se, assim, a unidade de tão frágil textura mas a vontade do Príncipe era absoluta, e acabou-se.

D. Afonso II, seu filho e sucessor, viu-se perante o dilema: cumprir o testamento do pai, lesando profundamente os seus  direitos legítimos de primogénito, ou rasgá-lo arrostando contra ventos e marés. Optou por esta alternativa.

Chamaram-lhe O Gordo. Alexandre Herculano na História alude ao seu estado precário de saúde «a quem a Providência ferira de um mal terrível demasiado vulgar naqueles tempos».

Dizem que morreu de lepra mas a sua imensa gordura também ajudou a ditar a sua morte precoce e explica porque andava sempre acompanhado pelos seus seis médicos que gozavam de alto valimento junto dele.

A gordura do pobre soberano e a sua inacção militar fizeram com que o soberano suspendesse a obra de conquista na linha do que tinham sido feito os seus predecessores, dilatar as fronteiras do Reino a Norte e a Sul por território de Leão e de Andaluz. A elefantíase que condenava o soberano à imobilidade, chumbava a Nação, em virtude do princípio monárquico absoluto.

O singular é que Alexandre Herculano, espírito tão dedutivo, não tivesse entrevisto a estranha psicologia deste rei à luz da doença que lhe dilacerava as carnes. Era ele, leproso, de um lado, e o mundo todo do outro.

Que lhe importavam os seres, as coisas, a alegria, o sol, a carne radiosa, a consciência, se ele era a própria antítese de tudo o que representava ordenação e beleza?

As doenças criam, ao que parece, um estado de espírito próprio. Tratando-se da lepra, suscita a misantropia, o ódio ao semelhante, a irascibilidade, etc…, para além das taras específicas inerentes ao desenvolvimento fisiológico do doente.

Estamos a ver com que fígados o pobre Afonso II, de rosto leonino, fétido, asqueroso, podia ver o esbulho que cometiam as manas no seu património, aquelas senhoras infantas, sãs como peros e suportava os eclesiásticos, bem comidos e bebidos, senhores do mundo não menos do que das almas!

Afonso II estava condenado a permanecer em casa como uma dona. Quem guerreava na fronteira, contra o inimigo e o mouro, e à volta dos castelos, contra as irmãs, eram os lugar-tenentes.

Excomungou-o o Papa mais de quarenta vezes … Em seu desespero, dada a situação de lázaro, a maldição Pontifícia devia fazer-lhe tanto dano como o esconjuro de Santo António aos pardais que se abatem sobre as searas.

Não sabiam ler na sua natureza truculenta, endemoninhado, mau irmão, avaro e rancoroso, quando, no fim de contas todas essas mazelas morais eram a resultante do seu organismo minado pelo terrível mal.

Segundo o direito monárquico, escudado no direito divino, aos seus súbitos não restava nenhum subterfúgio contra o pobre monstro. Ninguém pensou em destroná-lo.

Os escrivães levaram a peito esconder a pústula, como se tal circunstância envolvesse desdouro para a Nação. Preferiram que ficasse o Gordo, aventesma de enxúndia, tema de escárnio, em vez do leproso, objecto de piedade.

A crítica da História deitou abaixo o fútil castelo cortesanesco.

Site Meter