D. AFONSO II |
D. AFONSO II
Depois do Conqui stador
o Seareiro. A seguir à espada, a charrua. Alonga-se a perspectiva…
Sancho, seu filho, procurou que o arado
sulcasse a terra regada com tanto sangue, sendo que aqui
e ali ainda foi preciso arredondar a herdade, murá-la, e expulsar o serraceno.
Por isso, este rei, não foi apenas arroteador das terras mas também conqui stador.
Quando morreu, estava farto de dar
golpes, mais do que ver ondear as searas ao vento que vinha do mar. Morreu a
bater o dente com o medo dos infernos e esteve quase destruir a obra magnífica
que realizara desbaratando o dinheiro que tinha para os cofres pelo clero.
Depois, foi-se ao território e rasgou-o
às três pancadas. Pega tu, Mafalda, as terras de Alenquer; para ti, Sancha, as
terras de Esgueira e de Montemor com todas as prerrogativas de Estados livres.
Rompia-se, assim, a unidade de tão
frágil textura mas a vontade do Príncipe era absoluta, e acabou-se.
D. Afonso II, seu filho e sucessor,
viu-se perante o dilema: cumprir o testamento do pai, lesando profundamente os seus direitos legítimos de primogénito, ou rasgá-lo arrostando contra ventos e marés.
Optou por esta alternativa.
Chamaram-lhe O Gordo. Alexandre
Herculano na História alude ao seu estado precário de saúde «a quem a
Providência ferira de um mal terrível demasiado vulgar naqueles tempos».
Dizem que morreu de lepra mas a sua
imensa gordura também ajudou a ditar a sua morte precoce e explica porque
andava sempre acompanhado pelos seus seis médicos que gozavam de alto valimento
junto dele.
A gordura do pobre soberano e a sua
inacção militar fizeram com que o soberano suspendesse a obra de conqui sta na linha do que tinham sido feito os seus
predecessores, dilatar as fronteiras do Reino a Norte e a Sul por território de
Leão e de Andaluz. A elefantíase que condenava o soberano à imobilidade,
chumbava a Nação, em virtude do princípio monárqui co
absoluto.
O singular é que Alexandre Herculano,
espírito tão dedutivo, não tivesse entrevisto a estranha psicologia deste rei à
luz da doença que lhe dilacerava as carnes. Era ele, leproso, de um lado, e o
mundo todo do outro.
Que lhe importavam os seres, as coisas,
a alegria, o sol, a carne radiosa, a consciência, se ele era a própria antítese
de tudo o que representava ordenação e beleza?
As doenças criam, ao que parece, um
estado de espírito próprio. Tratando-se da lepra, suscita a misantropia, o ódio
ao semelhante, a irascibilidade, etc…, para além das taras específicas
inerentes ao desenvolvimento fisiológico do doente.
Estamos a ver com que fígados o pobre
Afonso II, de rosto leonino, fétido, asqueroso, podia ver o esbulho que
cometiam as manas no seu património, aquelas senhoras infantas, sãs como peros
e suportava os eclesiásticos, bem comidos e bebidos, senhores do mundo não
menos do que das almas!
Afonso II estava condenado a permanecer
em casa como uma dona. Quem guerreava na fronteira, contra o inimigo e o mouro,
e à volta dos castelos, contra as irmãs, eram os lugar-tenentes.
Excomungou-o o Papa mais de quarenta
vezes … Em seu desespero, dada a situação de lázaro, a maldição Pontifícia
devia fazer-lhe tanto dano como o esconjuro de Santo António aos pardais que se
abatem sobre as searas.
Não sabiam ler na sua natureza
truculenta, endemoninhado, mau irmão, avaro e rancoroso, quando, no fim de
contas todas essas mazelas morais eram a resultante do seu organismo minado
pelo terrível mal.
Segundo o direito monárqui co, escudado no direito divino, aos seus súbitos
não restava nenhum subterfúgio contra o pobre monstro. Ninguém pensou em
destroná-lo.
Os escrivães levaram a peito esconder a
pústula, como se tal circunstância envolvesse desdouro para a Nação. Preferiram
que ficasse o Gordo, aventesma de enxúndia, tema de escárnio, em vez do
leproso, objecto de piedade.
A crítica da História deitou abaixo o fútil
castelo cortesanesco.
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