Este amor ilegal não vai acabar bem... |
GABRIELA
CRAVO
E
E
CANELA
Episódio Nº 163
E também ele tivera a
cabeleira rapada a navalha. Segundo, porque não queria perder, com os cabelos e
a vergonha, o conforto da casa esplêndida, da conta na loja e no armazém, da
empregada para todo o serviço, dos perfumes, do dinheiro guardado à chave na
gaveta.
Assim, Josué, devia entrar
em sua casa após haver-se recolhido o último noctívago e sair antes de se
levantar o primeiro madrugador. Desconhecê-la por completo fora dessas horas
quando, com ardor e voracidade, no leito, vingavam-se, no leito a ranger, de
tais limitações.
É possível manter tão
estrita ilegalidade uma semana, qui nze
dias. Depois começam os descuidos, a falta de vigilância, de atenção. Um pouco
mais cedo ontem, um pouco mais cedo hoje, terminou Josué por entrar na casa
amaldiçoada com o bar Vesúvio ainda cheio de gente, apenas findava a sessão do
Cine-Teatro Ilhéus ou mesmo antes.
Mais cinco minutos de sono
hoje, mais cinco amanhã, terminou saindo directamente do quarto de Glória para
o Colégio. Confidência ontem a Ari Santos, hoje a Nhô - Galo («que mulher! »),
segredo ontem murmurado aos ouvidos de Nacib («Não conte a ninguém, pelo amor
de Deus»), hoje aos de João Fulgêncio («É divinal, seu João!»), a história do
professor e da manceba do coronel logo se espalhou.
E não fora só ele o
indiscreto – como guardar no coração esse amor a explodir de seu peito? – o
único imprudente – como esperar o meio da noite para penetrar no paraíso
proibido?
Não lhe cabia toda a
culpa. Não começara Glória também a passear pela Praça, abandonando sua janela
solitária, para vê-lo mais de perto, sentado no bar, rir para ele? Não comprava
gravatas, meias e camisas de homem, até cuecas, nas lojas? Não levara ao
alfaiate Petrónio, o melhor e mais careiro da cidade, uma roupa de Josué, puída
e cerzida, para que o mestre, de agulha lhe costurasse outra, de casimira azul,
surpresa para o seu aniversário? Não fora aplaudi-lo no salão nobre da
intendência, quando ele apresentara um conferencista?
Não frequentara, única mulher
entre seis gatos-pingados as sessões dominicais do Grémio Rui Barbosa,
atravessando insolente por entre as solteironas saídas da missa das dez?
Com o padre Cecílio
comentavam Quinqui na e Florzinha, a
áspera Doroteia e a furibunda Cremildes aquele devotamento de Glória à
literatura.
- Melhor que viesse confessar seus pecados…
- Um dia desses escreve nos jornais…
Culminou o desvario
quando, um domingo à tarde, com a praça repleta, foi Josué entrevisto, através
de uma veneziana imprudentemente aberta, a andar de cuecas na sala de Glória.
As solteironas clamavam:
assim era demais, uma pessoa decente nem podia passar tranqui la na praça.
No entanto, com tantas
novidades e acontecimentos em Ilhéus, aquela «devassidão» como dizia Doroteia,
já não constituía escândalo. Discutiam-se e comentavam-se coisas mais sérias e
importantes. Por exemplo, após o enterro do coronel Ramiro Bastos, desejava-se
saber quem tomaria o seu lugar, assumiria o posto vago de chefe.
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