quinta-feira, dezembro 13, 2012

Este amor ilegal não vai acabar bem...

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 163




E também ele tivera a cabeleira rapada a navalha. Segundo, porque não queria perder, com os cabelos e a vergonha, o conforto da casa esplêndida, da conta na loja e no armazém, da empregada para todo o serviço, dos perfumes, do dinheiro guardado à chave na gaveta.

Assim, Josué, devia entrar em sua casa após haver-se recolhido o último noctívago e sair antes de se levantar o primeiro madrugador. Desconhecê-la por completo fora dessas horas quando, com ardor e voracidade, no leito, vingavam-se, no leito a ranger, de tais limitações.

É possível manter tão estrita ilegalidade uma semana, quinze dias. Depois começam os descuidos, a falta de vigilância, de atenção. Um pouco mais cedo ontem, um pouco mais cedo hoje, terminou Josué por entrar na casa amaldiçoada com o bar Vesúvio ainda cheio de gente, apenas findava a sessão do Cine-Teatro Ilhéus ou mesmo antes.

Mais cinco minutos de sono hoje, mais cinco amanhã, terminou saindo directamente do quarto de Glória para o Colégio. Confidência ontem a Ari Santos, hoje a Nhô - Galo («que mulher! »), segredo ontem murmurado aos ouvidos de Nacib («Não conte a ninguém, pelo amor de Deus»), hoje aos de João Fulgêncio («É divinal, seu João!»), a história do professor e da manceba do coronel logo se espalhou.

E não fora só ele o indiscreto – como guardar no coração esse amor a explodir de seu peito? – o único imprudente – como esperar o meio da noite para penetrar no paraíso proibido?

Não lhe cabia toda a culpa. Não começara Glória também a passear pela Praça, abandonando sua janela solitária, para vê-lo mais de perto, sentado no bar, rir para ele? Não comprava gravatas, meias e camisas de homem, até cuecas, nas lojas? Não levara ao alfaiate Petrónio, o melhor e mais careiro da cidade, uma roupa de Josué, puída e cerzida, para que o mestre, de agulha lhe costurasse outra, de casimira azul, surpresa para o seu aniversário? Não fora aplaudi-lo no salão nobre da intendência, quando ele apresentara um conferencista?

Não frequentara, única mulher entre seis gatos-pingados as sessões dominicais do Grémio Rui Barbosa, atravessando insolente por entre as solteironas saídas da missa das dez?

Com o padre Cecílio comentavam Quinquina e Florzinha, a áspera Doroteia e a furibunda Cremildes aquele devotamento de Glória à literatura.

 - Melhor que viesse confessar seus pecados…

 - Um dia desses escreve nos jornais…

Culminou o desvario quando, um domingo à tarde, com a praça repleta, foi Josué entrevisto, através de uma veneziana imprudentemente aberta, a andar de cuecas na sala de Glória.

As solteironas clamavam: assim era demais, uma pessoa decente nem podia passar tranquila na praça.

No entanto, com tantas novidades e acontecimentos em Ilhéus, aquela «devassidão» como dizia Doroteia, já não constituía escândalo. Discutiam-se e comentavam-se coisas mais sérias e importantes. Por exemplo, após o enterro do coronel Ramiro Bastos, desejava-se saber quem tomaria o seu lugar, assumiria o posto vago de chefe. 

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