quarta-feira, dezembro 05, 2012

Este, não tem nada a ver com o mundo de Gabriela...

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 156

Tinham depois de roçar com cuidado, por entre as moitas escondiam-se as cabeças traiçoeiras das serpentes, com o bote armado para picar. Era morte certa.

Quando estavam a começar a plantar as frágeis mudas de cacau, o coronel o mandara chamar. Batia o rebenque na bota, na varanda da casa. Com aquele rebenque a filha surrara, animando-a a partir.

Olhou o negro Fagundes com seus olhos pensativos e tristes desde a fuga de Malvina, falou com sua voz de raiva concentrada:

 - Vai te preparando, negro! Um dia desses te levo de novo para Ilhéus. Vai ser preciso homem disposto na cidade.

Seria para matar o tipo que carregara sua filha? Para atirar nele e, quem sabe, na moça? Era orgulhosa, parecia imagem de santo. Mas ele, Fagundes, não matava mulher. Ou seriam os barulhos de novo a começar? Perguntou:

 -É briga outra vez? – Riu – Dessa vez não vou errar.

 - Prós dias das eleições. Estão se aproximando. Precisamos ganhar. Nem que seja na boca da repetição.

Boa notícia depois de tanto tempo de calmaria. Retornou a plantar com novo ardor. O sol implacável era um chicote no lombo. Finalmente haviam terminado, quatro mil mudas de cacau cobriam a terra onde fora a floresta virgem, assustadora.

Voltando para casa, as enxadas ao ombro, conversavam Clemente e o negro Fagundes. O crepúsculo morria, a noite entrava por dentro das roças, trazendo consigo os lobisomens, as mulas-de-padre, a alma dos mortos nas tocaias antigas. Passavam sombras nos cacauais, as corujas abriam os olhos nocturnos.

Um dia destes estou voltando para Ilhéus. Lá vale a pena. Tem tanta mulher no Bate-Fundo, cada uma mais linda de ver. Vou tomar um fartão – batia na barriga negra de umbigo saltado. – essa barriga vai clarear de tanto roçar barriga de branca.

 - Tu vai para Ilhéus?

 - Falei para tu outro dia. Que o coronel me avisou. Vai ter eleição, nós vamos ganhar à custa de bala. Já tou avisado, só falta a ordem para embarcar.

Clemente ia meditativo, como a ruminar uma ideia. Fagundes dizia:

 - Dessa vez vou voltar com dinheiro. Não há negócio melhor do que garantir eleição. Tem comes e bebes, festa para festejar ter ganhado. E corre dinheiro prós bolsos da gente. Tu pode contar. Dessa vez vou trazer os mil-réis pra gente meter no pedaço de terra.

Parando na sombra, o rosto no escuro, Clemente pedia:

 - Tu podia falar com o coronel para levar eu também.

 - Porque tu quer ir? Tu não é homem de briga… O que tu saber fazer é lavrar terra, é plantar, é colher. Tu quer ir pra quê?
Voltou a andar Clemente, não respondeu. Fagundes repetiu:

 - Pra quê? – E se lembrou – Pra ver Gabriela? 

Site Meter