ISABEL – Rainha Santa
Conta-se que indo ela, uma vez, de
romagem a Santa Iria, virgem e mártir, que jaz na vila de Tomar, por duas vezes
o rio caudaloso com o inverno que se desencadeara, parou de correr apartando-se
as águas às duas margens para ela passar e voltar a Santarém.
Além de devota e clemente, dava tudo o
apanhava à mão, os seus dinheiros e os do rei, as suas jóias e as iguarias da
mesa, as boas palavras da sua alma e as flores frescas dos jardins, tudo o que
pudesse servir de lenitivo a tristes e necessitados.
O esmoler recebera ordens terminantes:
nunca negar esmola a quem a pedisse. Daí que, onde ela pousasse, acudiam como
moscardos os pedintes: aleijados e vagabundos, leprosos e descarados, fradinhos
de pé alceiro e ladrões dos quatro caminhos. E, reza a crónica que até de além
fronteiras vinham pobres ao cheiro do maná que as mãos pródigas da rainha
lançavam aos deserdados das varandas de seus paços e castelos.
Pelos pobres despojava-se de tudo,
tomada do santo delírio da caridade e só não praticaria a liberalidade absoluta
como Santa Eponina, porque, além do corpo lhe nascer fadado frio e
incorruptível, seu espírito defendia-se da impureza como o arminho.
Relativamente às aventuras amorosas de
El-Rei, seu marido, ignorava o que fosse ciúme, recebendo em sua casa os
bastardos, dando de vestir, amas que os criavam e procurando mercês aos aios
que os instruíam.
O
seu esposo tinha caído na devassidão mais desmedida. Não lhe bastavam as sete
concubinas que tinha ao mesmo tempo por vilas e terras do reino, as açafatas do
Paço e as próprias camareiras serviam a sua faminta libertinagem.
Daqui
ficou o ditado que não representa apenas obediência à rima e se perpetuou:
-
«Este foi o Rei D. Dinis que fez tudo quanto qui s».
A idade apaziguou-o e à
semelhança do diabo que deu em ermita, entrou um dia no «caminho que devia, e
sempre até à sua morte o seguiu e guardou».
Isabel gozou então de paz muros a dentro
no seu Paço. Paz em seu coração de esposa, se é que alguma vez os zelos lhe
abrasaram o seio que parecia inerte ao amor e a mais apetites da luxúria.
Mas Portugal, no seu tempo, dava um
triste espectáculo de uma «casa da malta» envolvida em rixas reles e escarcéu.
Primeiro brigaram o Rei e o irmão.
Brigaram depois pai e filho, herdeiro do trono. A boa da Rainha não compreendia
os desmandos das «feras», e cada golpe, cada insulto que trocavam eram lanças
em seu peito de mãe e de esposa.
Ela não fazia mais que interpor-se,
desfeita em lágrimas, mãos postas, a implorar de uns e de outros que se aplacassem
em sua ira e se perdoassem as injúrias de parte a parte em nome de Cristo
Salvador que morrera pelos homens.
E, não é certo, que sem a sua
intervenção, a história deste país não teria ficado marcada por mais crimes e
violências cometidas de filhos para pais e destes para os filhos.
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