Sucedeu atravessar o reino um ano de
grande carestia a ponto dos homens correrem os matos como loucos e caírem ao
chão mortos de fome.
Isabel mandou abrir os celeiros reais e
encomendou aos mercadores estrangeiros trigo a todo o preço. Como nesta
conjuntura fosse até empenhar as jóias, os oficiais, de sua casa
observaram-lhe:
-
Repare, senhora, que amanhã terá a fome no palácio…
-
Ao que ela respondeu:
-
Deus se amerceará de nós!
E, de verdade, nunca na vida desta rainha,
pródiga e freneticamente mãos-rotas, se viu o fundo às tulhas do rei lavrador e
ao cofre da nação.
D. Dinis, absorvido pelos negócios do
Estado, em correrias por Castela ou contra o infante, na caça e nos
prazos-dados das suas muitas concubinas, não punha embargos à generosidade de
Isabel.
A sua índole de homem prático e
laborioso, com um instinto muito justo das realidades, devia repugnar aquele
delírio de fazer bem que se assoberbara da mulher.
Diante dos seus olhos, muitas vezes
desfilaram hordas de mendigos, parasitas viciosos e madraços sem ofício de
permeio com lázaros e aleijadinhos, dignos de piedade. Mas fechava os olhos,
porque não era escasso por natureza, embora longe de perdulário, e porque
sentia, talvez, no exercício daquela inveterada largueza a derivante de uma
vida moral a que ele faltara com a componente indispensável do seu carinho de
esposo.
Que medidas tomar, aliás, contra uma
fraca e doce criatura que sabia tão bem sorrir, que sabia tão bem chorar, e a
favor de quem Terra e Céu se conjuravam?
E havia de lembrar-se sempre, daquele
dia de Verão, na véspera de uma montaria quando, ao visitar os canis e as
gaiolas dos falcões, o moço da matilha se lhe queixou que os sobejos da mesa, a
rainha os distribuíra pela gentalha que a toda a hora se apinhava à porta do
castelo.
Ficou o Rei muito sentido com aquela
nova e, no dia seguinte, adiando a jornada, deu-se a espiar a esposa. E quando
ela, após o primeiro repasto se dirigia para a portada com o regaço cheio,
saiu-lhe o Rei ao encontro e disse:
-
Quero saber, senhora o que levais aí…
Com a surpresa e o susto caiu o regaço à
rainha. E rosas, infinitas rosas, de muitas cores, de fragrância nunca
sentidas, juncaram o chão e perfumaram o ar em volta.
O Rei, vendo aquele milagre, ajoelhou e
beijou a mão que dissipava pelos pobres da Terra riquezas que, por fabulosas e
inesgotáveis, só podiam vir do céu.
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