O véo prto faz a diferença |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 169
Mas o consumo de bebidas
diminuíra e, com ele, os lucros. Muitos ficavam no primeiro cálice, outros não
vinham mais todos os dias. Aquela ascensão fulminante do Vesúvio sofrera uma
pausa e mesmo um decréscimo nas rendas. E isto quando o dinheiro rolava fácil
na cidade, todo o mundo gastando nas lojas e nos cabarés.
Precisava tomar uma
providência, despedir a cozinheira, arranjar outra, custasse o que custasse. Em
Ilhéus era impossível, ele tinha experiência. Conversando sobre o assunto com
D. Arminda, a parteira tivera a coragem de lhe aconselhar:
- Uma coincidência, seu Nacib. Tive pensando
que boa cozinheira para o senhor é mesmo Gabriela. Não vejo outra.
Teve de conter-se para não
soltar um palavrão. Essa D. Arminda andava cada vez mais maluca. Também não
saía da sessão de espírita, a conversar com defuntos. Contara-lhe ter o velho
Ramiro aparecendo na tenda de Deodoro e pronunciado comovente discurso
perdoando todos os seus inimigos, a começar por Mundinho Falcão. Diabo de velha
destramelada…
Agora não passava um dia
sem lhe tocar no assunto, porque não tomava Gabriela de cozinheira? Como se
isso fosse coisa que se propusesse…
Ele se refizera, é
verdade, tanto que podia ouvir D. Arminda falar de Gabriela, louvar-lhe o
comportamento e a dedicação ao trabalho. Costurava dia e noite, pregando forro
em vestido, abrindo casa para botões, alinhavando blusas, numa trabalheira
difícil, pois – ela mesmo dizia – não nascera para a agulha e, sim, para o
fogão.
Decidira, no entanto, não
cozinhar para mais ninguém a não ser para Nacib. Apesar das ofertas a chover de
todos os lados. Para cozinhar e para amigação, cada qual mais tentadora. Nacib
ouvia D. Arminda, quase indiferente, apenas levemente orgulhoso dessa fidelidade
tardia de Gabriela. Encolhia os ombros, entrava em casa.
Estava curado, conseguira
esquecê-la, não a cozinheira, a mulher. Quando se recordava das noites passadas
com ela, era com a mesma saudade mansa que relembrava a sabedoria de Risoleta,
as pernas altas de Regina, uma de antes, os beijos roubados à prima Munira
numas férias em Itabuna.
Sem dor profunda no peito,
sem ódio. Sem amor. Suspirava ainda mais pela cozinheira inigualável, suas
moquecas, os xins-xins, as carnes assadas, os lombos, as cabidelas.
Refizera-se do golpe, mas
à custa de dinheiro. Durante semanas frequentara cada noite o cabaré, jogando
roleta e bacará, pagando champanhe para Rosalinda. Essa loira interesseira
arrancava-lhe notas de qui nhentos
mil réis como se fosse um coronel do cacau a sustentar rapariga e não seu xodó
no leito pago por Manuel das Onças.
Nunca vira xodó daquele
tipo, estava era bancando o besta. Ao dar balanço em seus negócios teve uma
ideia exacta do dinheiro gasto com ela, dos desperdícios a que se entregara.
Terminou por largá-la,
seduzido por amazonense pequena, uma índia chamada Mara. Conqui sta menos espectacular, mais modesta,
contentando-se com a cerveja e alguns presentes. Mas como a índia não tinha
proprietário fixo, fazia a vida em casa de Machadão, nem toda a noite estava
livre e ele terminava afogando suas mágoas em veias e pagodeiras nos cabarés ou
em casas de mulheres, gastando sem conta. Pusera fora um horror de dinheiro.
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