sexta-feira, dezembro 14, 2012

Será isto que vai acontecer a Glória?

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 164


Alguns achavam natural e justo fosse a chefia para as mãos do Doutor Alfredo Bastos, seu filho, ex-intendente e actual deputado estadual.

Pesavam seus defeitos e qualidades. Não era homem brilhante nem primara pela energia, não nascera para mandar. Fora Intendente zeloso, honesto, administrador razoável, era deputado medíocre.

Bom mesmo, só como médico de crianças, o primeiro a exercer pediatria em Ilhéus. Casado com mulher enjoada, pedante, com fumaças de nobreza. Concluíam um tanto pessimistas sobre o futuro do partido governamental e do progresso da zona entregue em mãos tão débeis.

Eram uns poucos, porém, os que enxergavam em Alfredo o sucessor de Ramiro. A grande maioria punha-se de acordo em torno do nome perigoso e inquietante do coronel Amâncio Leal. Esse o real herdeiro político de Ramiro.

Para os filhos ficavam a fortuna, as histórias para contar aos netos, a legenda do coronel desaparecido. Mas o comando do partido, esse só podia pertencer a Amâncio. Fora ele a segunda pessoa de Ramiro, indiferente aos postos, mas participando de todas as decisões, única opinião acatada pelo finada dono da terra.

Murmurava-se ser projecto dos dois amigos unir as famílias Bastos e Leal através do casamento de Jerusa com Berto, apenas o rapaz terminasse o curso. A velha empregada de Ramiro contava ter ouvido o ancião falar nesse plano ainda dias antes de morrer. Sabia-se também haver o Governador oferecer a Amâncio a vaga aberta no Senado estadual com a morte do seu compadre.

Nas mãos violentas de Amâncio, qual o destino da zona de cacau e da força política do Governo? Difícil de imaginar, tratando-se de homem tão imprevisível, arrebatado, contraditório, obstinado.

Duas qualidades louvavam – lhe os amigos: a coragem e a lealdade. Outros censuravam-lhe a teimosia e a intolerância. Concordavam todos na previsão de um fim agitado para a campanha eleitoral em curso. Amâncio comandando violências.

Com assuntos assim empolgantes como iriam os ilheenses interessar-se pelo caso de Josué e Glória a prolongar-se há meses sem incidentes? Só mesmo as solteironas, invejosas agora do constante júbilo estampado no rosto de Glória, ainda lhe dedicavam os seus comentários.

Era necessário algum acontecimento dramático ou pitoresco a quebrar a feliz monotonia dos amantes, para nele novamente atentarem os ilheenses. Se Coreolano viesse a saber e fizesse uma das suas, aí, sim, valia a pena. Para chamar Josué de gigolô, como tanto o haviam chamado a princípio, para comentar os poemas onde ele descrevia, em escabrosos detalhes, as noites no leito, não se abalavam mais.

A Josué e Glória só voltariam quando Coreolano tomasse conhecimento da traição da rapariga. Iria ser divertido.

Acontece que não foi divertido. Deu-se à noite, relativamente cedo, por volta das dez horas, quando, terminadas as sessões dos cinemas, o bar Vesúvio encontrava-se repleto. Nacib ia de mesa em mesa anunciando para breve a inauguração do Restaurante do Comércio.

Josué cruzara a porta de Glória há mais de uma hora. Abandonara as últimas precauções, não ligava para a opinião moralista das famílias e de certos cidadãos como Dr. Maurício.

Aliás, actualmente quem ligava a isso?


Site Meter