Será isto que vai acontecer a Glória? |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 164
Alguns achavam natural e
justo fosse a chefia para as mãos do Doutor Alfredo Bastos, seu filho,
ex-intendente e actual deputado estadual.
Pesavam seus defeitos e
qualidades. Não era homem brilhante nem primara pela energia, não nascera para
mandar. Fora Intendente zeloso, honesto, administrador razoável, era deputado
medíocre.
Bom mesmo, só como médico
de crianças, o primeiro a exercer pediatria em Ilhéus. Casado com
mulher enjoada, pedante, com fumaças de nobreza. Concluíam um tanto pessimistas
sobre o futuro do partido governamental e do progresso da zona entregue em mãos
tão débeis.
Eram uns poucos, porém, os
que enxergavam em Alfredo o sucessor de Ramiro. A grande maioria punha-se de acordo
em torno do nome perigoso e inqui etante
do coronel Amâncio Leal. Esse o real herdeiro político de Ramiro.
Para os filhos ficavam a
fortuna, as histórias para contar aos netos, a legenda do coronel desaparecido.
Mas o comando do partido, esse só podia pertencer a Amâncio. Fora ele a segunda
pessoa de Ramiro, indiferente aos postos, mas participando de todas as decisões,
única opinião acatada pelo finada dono da terra.
Murmurava-se ser projecto dos
dois amigos unir as famílias Bastos e Leal através do casamento de Jerusa com
Berto, apenas o rapaz terminasse o curso. A velha empregada de Ramiro contava
ter ouvido o ancião falar nesse plano ainda dias antes de morrer. Sabia-se também
haver o Governador oferecer a Amâncio a vaga aberta no Senado estadual com a
morte do seu compadre.
Nas mãos violentas de Amâncio,
qual o destino da zona de cacau e da força política do Governo? Difícil de
imaginar, tratando-se de homem tão imprevisível, arrebatado, contraditório,
obstinado.
Duas qualidades louvavam –
lhe os amigos: a coragem e a lealdade. Outros censuravam-lhe a teimosia e a
intolerância. Concordavam todos na previsão de um fim agitado para a campanha
eleitoral em curso. Amâncio
comandando violências.
Com assuntos assim
empolgantes como iriam os ilheenses interessar-se pelo caso de Josué e Glória a
prolongar-se há meses sem incidentes? Só mesmo as solteironas, invejosas agora
do constante júbilo estampado no rosto de Glória, ainda lhe dedicavam os seus
comentários.
Era necessário algum
acontecimento dramático ou pitoresco a quebrar a feliz monotonia dos amantes,
para nele novamente atentarem os ilheenses. Se Coreolano viesse a saber e
fizesse uma das suas, aí, sim, valia a pena. Para chamar Josué de gigolô, como
tanto o haviam chamado a princípio, para comentar os poemas onde ele descrevia,
em escabrosos detalhes, as noites no leito, não se abalavam mais.
A Josué e Glória só
voltariam quando Coreolano tomasse conhecimento da traição da rapariga. Iria
ser divertido.
Acontece que não foi
divertido. Deu-se à noite, relativamente cedo, por volta das dez horas, quando,
terminadas as sessões dos cinemas, o bar Vesúvio encontrava-se repleto. Nacib
ia de mesa em mesa anunciando para breve a inauguração do Restaurante do Comércio.
Josué cruzara a porta de
Glória há mais de uma hora. Abandonara as últimas precauções, não ligava para a
opinião moralista das famílias e de certos cidadãos como Dr. Maurício.
Aliás, actualmente quem
ligava a isso?
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