segunda-feira, dezembro 10, 2012

Uma flor deitada numa cama de flores

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 160

Não lhe importava o mínimo. Houve uma festa no Clube Progresso onde ele só não apanhou porque Alfredo Bastos interveio a tempo, quando já o impulsivo Moacir Estrela, sócio na empresa de marinetes ia meter o braço nas nobres fuças parlamentares de Victor.

Saíra este a dançar com a esposa de Moacir, bonitona e modesta, pessoa que começava a frequentar os salões do Progresso devido à recente prosperidade do marido. A senhora o soltou no meio da sala, a reclamar em voz alta:
 - Abusador!

Contara às amigas que o deputado estivera todo o tempo a meter uma perna entre as suas, a apertá-la no peito, como se em vez de dançar quisesse outra coisa.

O Diário de Ilhéus, pela pena agressiva e purista de Doutor, relatou o incidente, sob o título de: “O Fujão Expulso do Baile por Ignomínia”. Não houvera propriamente expulsão. Alfredo Bastos levara o deputado consigo, os ânimos estavam exaltados. O próprio coronel Ramiro ao saber dessas e de outras, confessara aos amigos:

 - Era Aristóteles quem tinha razão. Se eu soubesse disso antes não tinha brigado com ele, perdido Itabuna. Também no bar de Nacib houve um pega-pega com o deputado.

Numa discussão, o homenzinho perdera a cabeça e dissera ser Ilhéus terra de brutos, de mal-educados, sem nenhum grau de cultura. Dessa vez quem o salvou foi João Fulgêncio. José e Ari Santos, considerando-se pessoalmente ofendidos, quiseram dar-lhe uma surra. Foi necessário  João Fulgêncio usar de toda a sua autoridade para evitar a briga.

O bar de Nacib era agora um reduto de Mundinho Falcão. Sócio do exportador e inimigo de Tonico o árabe (cidadão brasileiro nato e eleitor) entrara na campanha. E, por mais espantoso que pareça, naqueles dias vibrante de comício, no maior deles, quando o Dr. Ezequiel bateu todos os seus recordes anteriores de cachaça e inspiração, Nacib pronunciou um discurso.

Deu-lhe uma coisa por dentro, depois de ouvir Ezequiel. Não aguentou, pediu a palavra. Foi um sucesso sem precedentes sobretudo porque tendo começado em português e faltando-lhe as palavras bonitas, pescadas dificilmente na memória, ele terminou em árabe, num rolar de vocábulos sucedendo-se em impressionante rapidez. Os aplausos não findavam.

Foi o discurso mais sincero e mais inspirado de toda a campanha – classificou João Fulgêncio.

Toda essa agitação cessou numa doce manhã de luz azulada quando os jardins de Ilhéus exalavam perfume e os passarinhos trinavam a saudar tanta beleza. O coronel Ramiro acordava muito cedo. A empregada mais antiga da casa, há cerca de quarenta anos com os Bastos servia-lhe uma pequena xícara de café.

O ancião sentava-se numa cadeira de balanço a pensar na marcha da campanha eleitoral, a fazer cálculos. Ia-se acostumando à ideia de manter-se no poder graças ao reconhecimento prometido pelo Governador, à degola dos adversários eleitos.

Naquela manhã, a empregada esperou com a xícara de café. Ele não aparecia. Alarmada acordou Jerusa. Foram encontrá-lo morto, os olhos abertos, a mão direita a segurar o lençol.

Um soluço cortou o peito da moça, a empregada começou a gritar: “Morreu o meu padrinho!”

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