Gabriela e o gato... |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 185
Do navio sueco com sereia de amor.
Agora, sim, era completamente feliz. O
tempo correra. No próximo domingo realizar-se-iam as eleições. Ninguém duvidava
dos resultados, nem mesmo o Dr. Victor Melo aflito em seu consultório no Rio de
Janeiro.
Altino Brandão e Ribeirinho já haviam
encomendado um jantar monumental ao restaurante do Comércio para uma semana
depois, com champanhe e foguetes. Anunciavam-se comemorações grandiosas.
Fizera-se uma subscrição, aberta por Mundinho, para comprar e oferecer ao
Capitão a casa onde ele nascera e onde habitara Cazuzinha Oliveira, de saudosa
memória.
Mas o futuro Intendente teve um gesto
magnânimo. Doou o dinheiro ao dispensário para crianças pobres aberto no morro
da Conqui sta pelo Dr. Alfredo
Bastos. Nacib pretendia, após as eleições, visitar com Ribeirinho aquelas
faladas terras mais além da serra do Baforé. Adqui rir
um pedaço, contratar a plantação de uma roça de cacau.
Jogava sua partida de gamão, conversava
com os amigos, contava histórias da Síria. «Na terra de meu pai é ainda
pior!...». Fazia a sesta, a barriga farta, roncando tranqui lo.
Ia ao cabaré com Nhô-Galo, dormia com
Mara, com outras também. Com Gabriela: todas as vezes que não tinha mulher e
chegava a casa sem cansaço e sem sono.
Mais com ela, talvez, do que com as
outras. Porque nenhuma se lhe comparava, tão formosa e húmida, tão louca na
cama, tão doce no amor, tão nascida para aqui lo.
Chão onde estava plantado. Adormecia Nacib com a perna passada sobre a sua anca
redonda. Como antigamente. Com uma diferença, porém: agora não vivia no ciúme
dos outros, no medo de perdê-la, na ânsia de mudá-la.
Na hora da sesta, antes de adormecer,
pensava consigo: agora não era senão para a cama, sentia por ela o mesmo que
por todas as outras, Mara, Raquel, a ruiva Natacha, sem mais nada a juntar, sem
a ternura de outrora.
Assim era bom. Ela ia a casa de Dora,
dançava e cantava, combinavam festas para o mês de Maria. Nacib sabia, encolhia
os ombros, até projectava assistir. Era sua cozinheira com quem dormia quando
lhe dava vontade. E que cozinheira!, melhor não havia. Boa também na cama, mais
do que boa, uma perdição de mulher.
Na casa de Dora, Gabriela ria e folgava,
a cantar e a dançar. No terno de reis levaria o estandarte. Pularia fogueira na
noite santa de São João. Folgava Gabriela, viver era bom. Batia onze horas,
voltava para casa a esperar seu Nacib. Talvez fosse noite de ele vir a seu
quarto, o cosquento bigode no seu cangaço, a perna pesada sobre a sua anca, o
peito macio como um travesseiro.
Em casa apertava o gato contra o rosto,
ele miava baixinho. Ouvia Dª Arminda falar dos espíritos e de meninos nascendo.
Esquentava o sol nas manhãs sem chuva, mordia goiabas, vermelhas pitangas.
Conversava horas perdidas com seu amigo
Tuísca, agora estudante para carpina. Corria descalça na praia, os pés na água
fria. Dançava roda com as crianças na praça, de tarde. Esperava o luar
esperando Nacib. Viver era bom.
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