Um porte napoliónico... |
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 184
O Juiz tentava roubar-lhe a rosa da orelha. Ela fugia.
Nacib contemplava, indiferente. Que lhe faltava para ser completamente feliz? A
amazonense, aquela índia da casa de Maria Machadão, perguntava-lhe nas noites
em que se encontravam, rindo com uns dentes selvagens:
- Tu gosta da
tua Mara? Acha ela gostosa?
Achava gostosa. Parecia pequena e gorducha, sentada
nas pernas no leito, uma estátua de cobre. Ele a via pelo menos uma vez por
semana. Deitava-se com ela, era um xodó sem complicações, sem mistério. Um
dormir sem surpresas, sem violentos arroubos, sem o ganir das canelas, sem o
tropel das éguas em cio, sem morrer e nascer.
Andava com outras também, Mara tinha muitos
admiradores, os coronéis gostavam daquela fruta verde do Amazonas, eram poucas
as suas noites livres.
Nacib debulhava ao acaso, nas casas de mulheres, nos
cabarés, variados encantos. Até mesmo com a nova rapariga de Coriolano dormira
uma vez, na casa da Praça. Uma cabrocha novinha trazida da roça.
Coriolano já não procurava saber se era enganado. Assim
biscateava Nacib aqui e ali, na sua
vida velha de sempre. Seu permanente rabicho, porém, continuava a ser a amazonense.
Com ela dançava no cabaré, juntos bebiam cerveja, comiam frigideiras.
Quando ela estava livre, escrevia-lhe um recado com
sua letra de escola, ele, fechado o bar, ia vê-la. Eram dias gostosos, esses em
que, o bilhete no bolso, antegozava a noite na cama de Mara.
Que lhe faltava para ser completamente feliz. Um dia
Mara mandou-lhe um bilhete, esperava-o à noite “para fazer gatinho”. Sorriu
contente. Após fechar o bar tocou-se para casa de Maria Machadão. Essa figura
tradicional de Ilhéus, a mais célebre dona de bordel , maternal e de toda a
confiança, disse-lhe após abraça-lo:
- Perdeu a
viagem, turqui nho. Mara está com o
coronel Altino Brandão. Veio de Rio do Braço, especialmente, que podia ela
fazer?
Saiu irritado. Não contra Mara, não podia interferir
em sua vida, impedi-la de ganhar o pão. Mas contra a noite frustrada, o desejo
como um rato a roer, a chuva a cair pedindo mulher debaixo dos lençóis.
Entrou em casa, tirou a roupa. Dos fundos, da cozinha
ou da copa, veio um ruído de louça partida. Foi ver o que era. Um gato fugia
para o qui ntal. A porta do quartinho
dos fundos estava aberta. Ele espiou. A perna de Gabriela pendia da cama, ela
sorria no sono. Um seio crescia no colchão e o cheiro de cravo tonteava.
Aproximou-se. Ela abriu os olhos e disse.
- Seu Nacib…
Ele olhou e, alucinado, viu a terra molhada de chuva,
o chão cavado de enxada, de cacau cultivado, chão onde árvores e medrava o
capim. Chão de vales e montes, de gruta profunda onde ele estava plantado.
Ela estendeu os braços, puxou-o para si. Quando se
deitou a seu lado e tocou seu calor, de súbito então tudo sentiu: a humilhação,
a raiva, o ódio, a ausência, a dor das noites mortais, o orgulho ferido e a
alegria de nela queimar-se. Segurou-a com força, marcando de roxo a pele cor de
canela:
- Cachorra!
Ela sorriu com os lábios de beijos e dentadas, sorriu
com os seios erguidos, palpitantes, com as coxas de labareda, com o ventre de
dança, e de espera, murmurou:
- Importa não…
Encostou a cabeça em seu peito peludo:
- Moço bonito.
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