segunda-feira, janeiro 07, 2013


O DRAMA DA MORTE


Era inevitável que sendo o homem um ser intelectualmente tão evoluído e sensível no mínimo não fizesse da morte um drama. Compreende-se…
Conciliar o pensamento e a reflexão sobre a vida com um simples ponto final ao qual nada mais se segue parece-nos algo tão brutal e falho de lógica que a reacção, em termos de desespero, é sempre a mesma:


- “Não, … tem de haver mais qualquer coisa…”

Há quem viva tão fascinado pela vida que não suporta a frustração que representa a morte e se lhe acenarem com um paraíso cheio de anjos ou um harém de virgens então, tudo se compõe numa feliz imortalidade à qual é difícil de resistir…


Porque não se consegue vislumbrar o que está para além da vida resta-nos apenas cogitar, tirando vantagem de uma capacidade que a parir de um determinado momento começou a estabelecer a diferença entre nós e os restantes animais que nos eram mais próximos.
Imaginar, supor, deduzir, tudo começou por aqui quando alguém, num grupo primitivo de humanos, pela primeira vez, se confrontou com o companheiro, mãe, pai, irmão, acabado de falecer à sua frente, e tem continuado em um longo percurso num mundo adverso no qual os progressos foram muito lentos e as margens de sobrevivência nos limites.
Acreditar, foi então a chave para prosseguir o nosso caminho, o hardware instalado no computador do nosso cérebro em formação.
 Acreditar, mas em quê? - Isso não estava no hardware, faria parte do software que cada um de nós iria instalar por sua própria conta num processo cheio de vicissitudes ao longo da história da humanidade.
 - Acreditar que depois de morrer a nossa vida continuará em qualquer outra parte, de uma outra qualquer maneira?
 - Acreditar que cortando o pescoço a uma cabra ou perfurando o coração de um nosso semelhante as chuvas irão cair copiosamente trazendo a abundância ao nosso povo?
 - Acreditar que devemos evitar a aproximação de um precipício ou banharmo-nos num rio onde vivem crocodilos?
Que software  vamos inserir no que respeita à continuação, ou não, da vida após a morte?
Entregues a nós próprios, tolhidos pela ignorância, de mãos atadas por preconceitos religiosos e sociais em que vamos acreditar?
Libertar-mo-nos do Hardware, da necessidade de acreditar, restringi-la, reorientá-la, dar voz à razão, libertar as mentes, tem sido o grande desafio. Por vezes algo de dramático.
 Eu vou contar-vos o resultado de um embate entre um pensamento crítico e bíblico, o primeiro do domínio da razão, o segundo, filho do “acreditar”, do Hardware.
 - Ele era um jovem cientista, altamente qualificado e genuinamente promissor e a tragédia deu-se na sua própria mente, fatalmente subvertida e debilitada por uma educação religiosa fundamentalista que o obrigava a acreditar que a Terra – tema da sua formação em Geologia -  tinha menos de 10.000 anos
 Wise, assim se chamava o jovem, era demasiado inteligente para não reconhecer o choque frontal que havia entre a sua religião e a sua ciência, e o conflito que se gerou na sua mente foi-lhe causando um desassossego cada vez maior. Um dia, resolveu o assunto à tesourada. Pegou na Bíblia e folheou-a do princípio ao fim, cortando literalmente todos os versículos que teriam de ser eliminados se a versão científica fosse a verdadeira. No final deste exercício de mão-de-obra intensiva tão implacavelmente sincero, restava tão pouco da Bíblia que, nessa noite, ele percebeu que tinha de optar entre a Bíblia, e a Ciência, incluindo, naturalmente a evolução. Escolheu a Palavra de Deus e atirou ao fogo todos os seus sonhos e esperanças na ciência…
A vida para além da morte como se de todos os seres vivos fossemos nós os únicos a não ter o direito de morrer. Para além disso, tornámo-nos pretenciosos. Menos do que um grão de areia no conjunto do Universo e queremos possui-lo, ser o seu autor.
Vivemos sempre condicionados por aquilo que esperávamos que nos acontecesse após a morte e as religiões, especialmente as monoteístas, mais organizadas e influentes, souberam muito bem tirar partido desses condicionalismos.

Quando deixarmos de amar a Deus e em vez dele amarmos, no sentido de respeitar, os outros homens, a natureza, e os restantes seres vivos que connosco partilham a vida na Terra, talvez então aceitemos melhor o nosso fim em pé de igualdade com as restantes formas de vida.

É verdade que, de facto, somos especiais, tivemos que o ser para sobreviver na luta que travámos para termos direito a um lugar ao sol mas continuamos sujeitos às leis fundamentais do Universo e desaparecer para sempre sem outras consequências que não sejam as transformações químicas que se operam a partir do momento da última batida do coração, é uma dessas leis.

Outra atitude que não seja esta, para além de representar uma veleidade que não nos fica bem, constitui, igualmente, uma enorme contradição para a nossa mente dada a dificuldade em conciliar o racional com as expectativas da fé.

Por isso, a Filosofia, que para alguns, entre outras coisas, será um curso geral para a morte, talvez pudesse, com mais vantagem, constituir um curso geral para a vida, que nos ensinasse que todas as nossas energias devem ser canalizadas para a satisfação da responsabilidade do que significa estar vivo.

Responsabilidade connosco próprios, com o nosso semelhante e para com o planeta que é a casa onde vivemos, não em nome de, ou para agradar a, por recear a um deus qualquer que nos espera após a morte para nos castigar ou premiar mas porque, neste momento, está já suficientemente reconhecida uma espécie de moral universal que aponta no sentido de que a nossa própria sobrevivência como espécie não é possível salvaguardar se não olharmos a vida como a nossa oportunidade de manter os equilíbrios entre nós, homens, e a natureza que nos suporta.
E para isso não é a nossa morte que nos deve preocupar mas antes as gerações vindouras que reivindicam, também elas, o direito à vida para poderem morrer como nós.
Sinceramente, julgo que estamos, neste aspecto, numa encruzilhada terrível porque temos a consciência de que a estamos a viver mas não temos a certeza de qual o caminho que vai ser percorrido ou, sabendo-o, não temos força para o percorrer.
O planeta como que estremece e agita, também ele parece inquieto quando o forçam a uma evolução mais rápida do que aquela que, naturalmente, se processaria sem a nossa interferência.
Para ele, planeta, é indiferente, continuará sempre a girar em torno do sol, mas para as formas de vida que suporta pode ser um abreviar das suas existências e por isso ele manda os seus avisos, alerta os homens, os únicos que os sabem interpretar e aguarda…
Os fenómenos da natureza são o resultado de múltiplos equilíbrios que se estabelecem e restabelecem continuamente, lenta mas inexoravelmente.
A velocidade a que esses equilíbrios e reequilíbrios acontecem é a chave que facilita, dificulta ou impossibilita a sobrevivência das espécies através dos fenómenos de adaptação já explicados por Charles Darwin na sua Teoria da Evolução.
E é aqui que há verdadeiras razões para falar da morte que dizima e pode levar ao desaparecimento das espécies e não a morte natural dos indivíduos dentro de cada espécie indispensável, de resto, para a própria sobrevivência da espécie e da vida.
Será que a velocidade a que desaparece a massa de gelo do pólo Norte vai dar alguma hipótese de sobrevivência ao urso polar?

E o que irá acontecer aos milhões e milhões de pessoas que vivem à beira mar se a água dos Oceanos começar a subir a um ritmo que não permita a sua reinstalação noutras áreas com tempo para se adaptarem e aprenderem a fazer outras coisas?
E se alterações do clima, de repente, puserem em causa a produção de arroz no continente asiático como vão sobreviver os biliões de pessoas que dependem dele para se alimentarem?
E agora, sim, uma palavra para a fé, não em Deus ou em deuses mas a fé nos homens, de preferência em todos os homens, esclarecidos, responsáveis, capazes de pensar e decidir para o futuro, exactamente aquele futuro que neste momento parece tão ameaçado pelo egoísmo das actuais gerações.

Mais uma vez, como sempre, é nos homens que está, ou não, o futuro da humanidade.

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