sábado, janeiro 05, 2013

Fará bem às dores do peito?

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 182


A não ser quando havia navios em trânsito no porto, o movimento era pequeno, tanto que só serviam almoço. A gente da terra habitualmente fazia as refeições em casa. Apenas de quando em vez, tentados pelos pratos de Gabriela, vinham os homens sós ou com a família ali almoçar.

Para variar do trivial quotidiano. Fregueses permanentes contavam-se nos dedos: Mundinho, quase sempre com convidados, Josué, o viúvo Pessoa. Em compensação, o jogo à noite, na sala do restaurante, conhecia o maior dos sucessos.

Formavam-se cinco e seis rodas de pocker, o sete-e-meio, a bisca. Gabriela preparava de tarde salgados e doces, a bebida corria, Nacib recolhia o barato da casa. A propósito de jogo, Nacib quase tivera uma crise de consciência: devia ou não considerar Mundinho sócio nessa parte do negócio?

Certamente não, pois o exportador entrara com capital para o restaurante e não para a tavolagem. Talvez sim, reflectia a contragosto, levando-se em conta o aluguer da sala pago pela sociedade, proprietária também das mesas e cadeiras, dos pratos nos quais também serviam, nos copos em que bebiam.

Ali o lucro era grande, compensava a freguesia pouco numerosa e pouco assídua ao almoço. Gostaria Nacib de guardá-lo todo para si, mas temia represálias do exportador. Decidiu falar-lhe no assunto.

Mundinho tinha uma simpatia especial pelo árabe. Costumava afirmar, após as complicações matrimoniais de seu actual sócio, ser Nacib o homem mais civilizado de Ilhéus.

Aparentando grande concentração, escutou-o expondo o problema. Nacib desejava saber a opinião do exportador: considerava-se ele sócio ou não do jogo?

 - E qual é a sua opinião, mestre Nacib?

 - Veja o senhor, seu Mundinho… - Enrolava a ponta dos bigodes – Pensando como homem de direito acho que o senhor é sócio, deve ter metade dos lucros como tem no restaurante. Pensando como grapiúna podia dizer que não há papel assinado, que o senhor é homem rico, não precisa disso.

Que a gente nunca falou no jogo, que eu sou pobre, tou juntando um dinheirinho para comprar uma rocinha de cacau, essa renda extra me serve muito. Mas como diria o coronel Ramiro, compromisso é compromisso mesmo quando não está no papel. Trouxe as contas do jogo para o senhor examinar…

Ia colocar uns papéis em cima da mesa de Mundinho. O exportador afastou-lhe a mão, bateu-lhe no ombro.

 - Guarde as suas contas e o seu dinheiro, mestre Nacib. No jogo não sou sócio. Se quiser ficar absolutamente tranquilo com a sua consciência, pague-me um pequeno aluguer pela utilização da sala à noite. Quaisquer cem mil réis. Ou melhor: dê cem mil réis por mês para a construção do asilo de velhos.

Onde já se viu um deputado federal ter casa de jogo? A não ser que você duvide da minha eleição… Não há coisa mais certa no mundo. Obrigado, seu Nacib. Sou seu devedor.

Levantava-se para sair, Mundinho lhe perguntou:

 - Diga-me uma coisa… - E baixando a voz, tocando com o dedo no peito do árabe – Ainda dói?

Sorriu Nacib, a face resplandecente:

 - Não, senhor. Nem mais um pingo…

Baixou Mundinho a cabeça, murmurou:

 - Eu lhe invejo. Em mim ainda dói. 

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