sexta-feira, janeiro 04, 2013

Azulejos de Eduardo Nery no Campo Grande em Lisboa

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 181


Do passeio do bar Vesúvio, Nacib viu os rebocadores, como pequenos galos de briga, cortando as águas do mar, arrastando as dragas, no caminho do Sul.

Quanta coisa se passara em Ilhéus entre a chegada e a partida dos engenheiros e escafandristas, dos técnicos e marinheiros… O velho coronel Ramiro Bastos não veria os grandes navios entrarem no porto. Andava aparecendo nas sessões espíritas, virara missionário após desencarnar, dava conselhos ao povo da zona, pregava a bondade, o perdão, a paciência.

Assim pelo menos afirmava Dª. Arminda, competente em matéria tão discutida e misteriosa. Ilhéus mudara muito nesse tempo curto de meses e longo de acontecimentos. Cada dia uma novidade, uma nova agência de Banco, novos escritórios de representações de firmas do Sul e até do estrangeiro, lojas, residências.

Há poucos dias no Unhão, num velho sobrado, instalara-se a União de Artistas e Operários, com seu Liceu de Artes e Ofícios, onde estudavam rapazes pobres aprendendo a arte de carpinteiro, pedreiro, sapateiro, com escola primária para adultos, destinada aos carregadores do porto, ensacadores de cacau, operários da fábrica de chocolate.

O sapateiro Felipe falara na instalação, à qual compareceram as pessoas mais gradas de Ilhéus. Exclamara numa mistura de português e espanhol ser chegado o tempo dos trabalhadores, nas suas mãos estava o destino do mundo.

Tão absurda parecia a afirmação que todos os presentes a aplaudiram automaticamente, mesmo o Dr. Maurício Caíres, mesmo os coronéis do cacau, donos de imensas extensões de terras e da vida dos homens sobre a terra curvados.

Também a existência de Nacib fora movimentada e plena nesses meses: casara e descasara, conhecera a prosperidade e temera a ruína, teve o peito cheio de ânsia e alegria, depois vazio de vida, só o desespero e a dor.

Fora feliz de mais, infeliz de mais, agora novamente tudo tranquilo e doce. Retomara o bar o seu ritmo antigo, dos primeiros tempos de Gabriela: demoravam-se os fregueses na hora do aperitivo, tomando mais um cálice, alguns subiam para almoçar no restaurante.

Prosperava o Vesúvio, Gabriela descia ao meio-dia da cozinha no andar de cima e passava entre as mesas a sorrir, a rosa atrás da orelha. Diziam-lhe graçolas, laçavam-lhe olhares de cobiça, tocavam-lhe a mão, um mais ousado dava-lhe um tapa nas ancas, o Doutor lhe chamava de «minha menina».

Louvavam a sabedoria de Nacib, a maneira como soubera sair, com honra e proveito, do labirinto de complicações em que se envolvera. O árabe circulava entre as mesas, detendo-se a ouvir e a conversar, sentando-se com João Fulgêncio e o Capitão, com Nhô-Galo e Josué, com Ribeirinho e Amâncio Leal.

Era como se, por um milagre de São Jorge, houvessem recuado no tempo, como se nada de errado e triste tivesse acontecido.

A ilusão seria perfeita não fosse o restaurante e a ausência de Tonico Bastos definitivamente ancorado no Pinga de Ouro, com seu amargo e suas polainas de conquistador.

O restaurante revelava-se apenas razoável emprego de capital, dando lucro certo, porém modesto. Não o negócio excepcional imaginado por Nacib e Mundinho.

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