sexta-feira, fevereiro 01, 2013

BAHIA

O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio Nº 11


Pedro Ticiano contava então sessenta e quatro anos. Velho trabalhador da imprensa, estava na última fase da sua vida, à margem do jornalismo, onde fizera nome.

Toda a sua existência resumira-se em fazer frases de espírito e desagradar ao bom senso.

No Rio de Janeiro tornou-se conhecido pelos seus epigramas e pelo seu espírito sarcástico. Panfletário de pulso, chegara a ter um grande lugar no jornalismo da Metrópole.

Um dia deram-lhe um bom emprego na província.

Na Bahia, que noutros tempos fora chamada de Atenas Brasileira, florescia nesse tempo a mais completa estupidez.

Pedro Ticiano resolveu fazer, na “boa terra” a campanha pró inteligência. Começou a atacar o mulatismo. Desassombrado, ficou sendo o terror dos estudantes que se fazem poetas e dos camelos que fazem os artigos de fundo dos jornais baianos.

Porque na Bahia, boa cidade de Todos os Santos e em particular do Senhor do Bonfim, todo o mundo é intelectual. O bacharel é, por força escritor, o médico que escreve um trabalho sobre sifilis passa a ser chamado de poeta e os juízes dão valiosas opiniões literárias, das quais ninguém tem coragem de discordar.

Pedro Ticiano dizia que na Bahia, se não publicava maus versos em revistas elegantes, tinha com certeza algumas trovas rabiscadas no fundo da gaveta.

Começaram a odiar Ticiano. Foram-lhe fechando aos poucos a imprensa. Certa vez que escrevera violento artigo contra um mulato político em evidência foi demitido do emprego. Não podia mais voltar ao Rio. E ficou então na Bahia, pobre, tendo como prémio de uma grande vida o ódio de todos os mestiços baianos que escreviam.

Rodeavam-no alguns amigos, poucos, os últimos e talvez os únicos verdadeiros que tivera na vida.

A sua grande satisfação era saber-se temido. Os seus inimigos não tinham coragem de atacá-lo e eram obrigados a reconhecer que o espírito de Pedro Ticiano continuava cada vez mais moço.

Notavam-lhe quase sempre o estranho paradoxo do seu nome Pedro Ticiano. Um nome burguesíssimo e um nome de artista.

E ele explicava. Seu pai fora um comerciante que passara a vida toda a ver se conseguia reunir uma fortuna para lhe deixar.

Quando todos o julgavam muito rico, faliu. Morrera de desgosto. Fizera questão que ele se chamasse Pedro. A mãe que tinha muita sensibilidade (escrevia às irmãs cartas em verso e tinha no quarto um retrato de Victor Hugo) achara o nome de Pedro horrível e, para suavizá-lo, acrescentou o de Ticiano. E foi baptizado Pedro Ticiano Tavares.

Ticiano, quando cresceu arrancou o Tavares. O pai o perseguia muito por causa das suas tendências jornalísticas. O velho embirrava com literatos. Versos não sustentavam ninguém, costumava dizer. E Ticiano que nessa época tinha veleidades, tirou o Tavares do nome, dizendo que a família não havia de gozar da sua glória. Ficou sendo apenas Pedro Ticiano. Hoje, pensava que o velho tinha muita razão. Versos não dão comer a ninguém… Nem versos, nem prosa…

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