BAHIA |
O PAÍS
DO
CARNAVAL
Episódio Nº 11
Pedro Ticiano contava
então sessenta e quatro anos. Velho trabalhador da imprensa, estava na última
fase da sua vida, à margem do jornalismo, onde fizera nome.
Toda a sua existência
resumira-se em fazer frases de espírito e desagradar ao bom senso.
No Rio de Janeiro
tornou-se conhecido pelos seus epigramas e pelo seu espírito sarcástico.
Panfletário de pulso, chegara a ter um grande lugar no jornalismo da Metrópole.
Um dia deram-lhe um bom
emprego na província.
Na Bahia, que noutros
tempos fora chamada de Atenas Brasileira, florescia nesse tempo a mais completa
estupidez.
Pedro Ticiano resolveu
fazer, na “boa terra” a campanha pró inteligência. Começou a atacar o
mulatismo. Desassombrado, ficou sendo o terror dos estudantes que se fazem
poetas e dos camelos que fazem os artigos de fundo dos jornais baianos.
Porque na Bahia, boa
cidade de Todos os Santos e em particular do Senhor do Bonfim, todo o mundo é
intelectual. O bacharel é, por força escritor, o médico que escreve um trabalho
sobre sifilis passa a ser chamado de poeta e os juízes dão valiosas opiniões
literárias, das quais ninguém tem coragem de discordar.
Pedro Ticiano dizia que na
Bahia, se não publicava maus versos em revistas elegantes, tinha com certeza
algumas trovas rabiscadas no fundo da gaveta.
Começaram a odiar Ticiano.
Foram-lhe fechando aos poucos a imprensa. Certa vez que escrevera violento
artigo contra um mulato político em evidência foi demitido do emprego. Não
podia mais voltar ao Rio. E ficou então na Bahia, pobre, tendo como prémio de
uma grande vida o ódio de todos os mestiços baianos que escreviam.
Rodeavam-no alguns amigos,
poucos, os últimos e talvez os únicos verdadeiros que tivera na vida.
A sua grande satisfação
era saber-se temido. Os seus inimigos não tinham coragem de atacá-lo e eram
obrigados a reconhecer que o espírito de Pedro Ticiano continuava cada vez mais
moço.
Notavam-lhe quase sempre o
estranho paradoxo do seu nome Pedro Ticiano. Um nome burguesíssimo e um nome de
artista.
E ele explicava. Seu pai
fora um comerciante que passara a vida toda a ver se conseguia reunir uma
fortuna para lhe deixar.
Quando todos o julgavam
muito rico, faliu. Morrera de desgosto. Fizera questão que ele se chamasse
Pedro. A mãe que tinha muita sensibilidade (escrevia às irmãs cartas em verso e
tinha no quarto um retrato de Victor Hugo) achara o nome de Pedro horrível e,
para suavizá-lo, acrescentou o de Ticiano. E foi baptizado Pedro Ticiano
Tavares.
Ticiano, quando cresceu
arrancou o Tavares. O pai o perseguia muito por causa das suas tendências
jornalísticas. O velho embirrava com literatos. Versos não sustentavam ninguém,
costumava dizer. E Ticiano que nessa época tinha veleidades, tirou o Tavares do
nome, dizendo que a família não havia de gozar da sua glória. Ficou sendo
apenas Pedro Ticiano. Hoje, pensava que o velho tinha muita razão. Versos não dão
comer a ninguém… Nem versos, nem prosa…
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