terça-feira, fevereiro 12, 2013


O MESTRE DE AVIS 

D. João I de Portugal



Estava D. Pedro I na Chamusca, aproximou-se dele Nuno Freire, mestre de Cristo, com um menino de sete anos pela mão.

- Senhor – e pegou nele ao colo para que melhor o visse – este inocentinho é o filho que fizeste na boa Dª Tereza Lourenço e vem pedir-vos a bênção…

 - A bênção de Deus te cubra – proferiu o rei beijando na boca à maneira hebraica de Simeão.

O pequeno lançava-lhe uns olhos tímidos, se bem que estranhos, e aquecidos por um arzinho de respeito filial, bem ensinado como vinha. O pai, agradado e bem disposto, cingiu-lhe a espada à cinta e, armando-o cavaleiro, acrescentou, num sorriso que lhe iluminava a cara toda:

 - Uma nigromante leu-me um dia a “buena-dicha”. Entre outras coisas vaticinou-me que havia de ter um filho chamado João, o qual subiria ainda mais alto do que eu.

Ora, não tenho um filho chamado João, tenho dois. Será este o que há-de voar? Escolha Deus qual fora de sua mercê…

Como estivesse vago o mestrado de Avis, os comendadores reunidos em capítulo em capítulo elegeram para o cargo aquele bastardo real. E logo, tirando-lhe o gibão, lhe foram endossados os hábitos talares da Ordem, antecipando-se ao beneplácito papal com que seguramente contavam,

Cresceu o filho de Tereza Lourenço em anos e bizarria, instruído em todos os exercícios da guerra, como gineta, esgrima a cavalo e a pé, anos a fio pisando as tábuas da casa monástica de Avis.

Excelente cavaleiro e mandador de lança, com boas luzes das humanidades foi ele o escolhido, sem grandes dúvidas, quando D. Fernando já golfava sangue do peito minado pela tuberculose e Dª Leonor Teles escandalizava pelos destemperos com o seu amante galego, João Fernandes Andeiro.

Filho de rei, coluna forte do templo e da corte, ele é que era o João do presságio.

A hora era turva. À boca grande se dizia que se tornara um questão de decência matar o conde João Fernandes Andeiro, amante da rainha. Leonor Teles, embora com coração grandioso, não resistia ao seu temperamento, faltando ao respeito à sua própria pessoa, ao monarca, cognominado de Formoso, isto é, gentil e ao mesmo tempo homem dado a delícias. Já na Corte, a sua pessoa almiscarada, fora uma fonte de pecado e exemplo de devassidão. Que ia ele fazer, por altas horas, à câmara de sua irmã, Dª Brites?

Um ano andou ele a lutar com a morte. Na casa dos trinta, parecia já um velho caduco. A tísica encontrava boa auxiliar na febre do amor que o consumia. Em pouco tempo ficou seco como as palhas. D. Fernando morreu com trinta e oito anos na flor da vida.

O povo de Lisboa acabara por perder aquela submissão à realeza em que vivia desde séculos. Dava conta de que o rei, pretensamente ungido pelo Senhor, era de barro, como os demais humanos. Podia ser melhor, pior, mais venerado, menos venerado. Dependia da natureza dos seus actos e do modo de ver dos seus vassalos mas não passava de um magistrado susceptível de eleição como outro qualquer.

Do povo é que lhe vinha a vis e a vara.

A revolução em Portugal, de 1383-1385, não foi apenas por razões económicas. As causas morais, no mínimo, prevalecem como deflagradoras de uma atmosfera explosiva, um clima de revolta, motivo concreto de luta pela vida.

Nesta revolução, é de admitir sem reservas, como pretende António Sérgio, uma certa subversão do regime de propriedade pela “limpeza” acontecida na população em consequência da grande peste e consequente acumulação de pequenas fortunas.

Onde antes havia o servo teria passado a existir o remediado. O foreiro ficou resgatado do senhorio. O burguês tornar-se-ia suzerrano. Tudo alterações repentinas, desiquilibradoras da sociedade, mas ela, a aleivosa Leonor Teles, foi a que acendeu o rastilho pela sua conduta tão pouco edificante. 

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