O MESTRE DE AVIS – D. JOÃO I DE PORTUGAL E O SEU
CONDESTÁVEL - NUNO ÁLVARES PEREIRA (continuação)
- A Batalha de Aljubarrota
Uma vez aí operaram uma meia volta imperfeita. Os
portugueses seguiram-lhes os movimentos com uma certa curiosidade copiando-lhes
a disposição como fazem os girassóis relativamente ao sol, acabando assim por
olhar a Oeste.
Eram horas de noa que correspondem às qui nze horas quando o exército castelhano se pôs em marcha. As pesadas e
compactas colunas a passo medido, os ginetes volantes espalhados pelo campo e
que, como falcões, tinham como missão dar caça às carruagens transviadas dos
portugueses, bem como aos fugitivos.
A tropa a pé dos portugueses, inexperiente na maioria,
pelo facto de conhecer o terreno e saber onde ficava a sua toca, era a mais
atreita ao pânico e afugentadiça. Foi o que sucedeu logo de começo. Uns trinta
homens escapuliram-se, pernas para que vos quero, pelos campos fora na direcção
de Porto Mós.
Deram sobre eles os ginetes castelhanos, e num
silvado, como javalis, os chacinaram à lançada. Perante este espelho, as deserções
cessaram.
Quando os espanhóis se viram ao alcance da besta,
dispararam os trons. Eram uma novidade e logo por acaso um pelouro despedaçou
dois bons e valentes escudeiros. Mas à voz de Nuno Álvares recobraram-se os ânimos
e, pois que se tratava de abater a hidra que avançava ou ser devorado, os
portugueses aguentaram bem o choque e recarregaram com brio.
Os archeiros ingleses com mão tente e certa faziam boa
segada. Ao fim da primeira investida, envoltas as alas, pareceu o combate
indeciso.
O Mestre de Avis aguentava-se no seu lugar com ânimo
impávido e sem lhe fraquejar o braço. Nuno Álvares, onde remetia, cavavam-se
largas clareiras. Num dado momento foram mil a acometê-lo, e teve de acudir ali
o Mestre à testa de gente tirada dos flancos. Os espanhóis sentiram a malha
rota e ali se ateou uma longa e desesperada refrega.
Da vanguarda castelhana faziam parte os portugueses ao
serviço de Castela, os chamorros, e, de preferência se lançaram sobre eles os
raivosos portugueses do Mestre. Reza a crónica que muitos ali morderam o chão,
tantos e tão densos como as paveias do trigo grado quando se lhe mete a foice.
O grosso de Castela ia levado de arranco quando correu
voz que a retaguarda corria perigo. A um sinal do Mestre, Nuno Álvares acorreu
ao local da peleja. Como estava de pé não pode ir tão rápido e ágil como
desejava.
Viu-o Pêro Botelho, comendador da Ordem de Cristo, que
vinha bem montado e logo lhe cedeu o cavalo. A galope avançou o Condestável
para o couce da batalha, em verdade quando ia meio destroçada a retaguarda
portuguesa.
Um golpe coruscante aqui ,
um grito acolá e restabeleceu-se o combate. Outros cavaleiros acudiram à
refrega. E foi, no aceso da peleja, que uma lança ou virote, fulgurando no ar
veio bater em cheio, semelhante a um raio do céu, no Mestre de Calatrava, irmão
de Nuno que lutava por Castela.
Que terrível mão misteriosa vibrara o golpe que nunca
se apurou quem fora?! Tão pouco como se se escrevesse ali uma palavra enigmática
para o Mundo, selando um destino para todo o sempre, se soube jamais do
seguidor de Castela. Nem vivo nem morto. Desapareceu de vez, ignora-se como. Desvanecido
no ar, enterrado pelo chão dentro, de mistura com os mortos, ou sob disfarce de
ermitão, bandoleiro dos caminhos, peregrino arrependido e errante?
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