DO
CARNAVAL
Episódio Nº 29
Rigger discordava:
- Só se deve cuidar da felicidade pessoal. No
dia em que cada um for feliz a Humanidade o será… Esse negócio de sacrificar-se
pelo bem-estar pelo bem-estar comum não vai comigo. E Pátria… Eu não tenho o
sentido de Pátria. Só me senti brasileiro duas vezes. Uma no Carnaval, quando
sambei na rua. Outra, quando surrei Julie, depois que ela me traiu.
- Ticiano é quem tem razão. Naquele artigo de
apresentação do “Estado da Bahia”, ele definiu bem a Pátria.
Ricardo lembrava-se.
Jerónimo recitou o trecho:
- “A Pátria é o lugar onde o homem, pobre
animal inferior, encontra com que se alimentar e onde dorme com uma mulher ou
com outro homem conforme as suas predilecções.”
- Isso mesmo!
- Por sinal, o Gomes danara-se. Berrava que o
jornal estava desmoralizado. José Lopes, a rir, só discordava do pedaço homossexual.
E levaram o Gomes na troça.
- Ora, eu nasci no Brasil. Mas a minha
fornicação é toda francesa… O que sou devo-o à França. Qual é a minha Pátria?
Numa guerra entre a França e o Brasil, por qual devo lutar?...
- E o problema político – inqui riu Jerónimo – que acham dele? O movimento “fascista”
é grande. A propaganda comunista enorme.
- Eu não sou nem por um nem por outro. O
Brasil não deve importar sistemas políticos. Nós até hoje temos importado tudo.
Até uma constituição. Demo-nos bem com ela? Nós precisamos é nacionalizar tudo.
Desde os sistemas de governo até às prostitutas… Nem comunismo nem fascismo…
Nem polacas nem francesas… - explicava doutoralmente Ricardo.
- Cuidado, Ricardo, esse rubi trás uma doença
contagiosa. A retórica… Pois eu sou comunista… - e Rigger engasgou-se com um
pedaço de carne.
Jerónimo não acreditava:
- Comunista, você? Um aristocrata? “Comigo não,
violão…”
- Mas, Rigger, o comunismo é bonito em teoria…
Na prática um fracasso. Igualdade, igualdade… Depois os operários que governam
a surrar o povo… É isso o comunismo na prática.
- Mas é exactamente por isso que eu sou
comunista… O comunismo mandaria surrar os brasileiros três vezes por dia. O
povo endireitava… No Brasil eu sou comunista prático. O único remédio eficaz
para o brasileiro é o chicote…
- Ah, ah, há! Você já está um novo Ticiano.
- Coitado do Ticiano,
quase cego! E sempre a sorrir, superior da vida…
- Eu às vezes penso que Ticiano tem razão. Que
a nossa vida há-de ser um rosário de infelicidades, de desilusões… que a
felicidade não foi feita pra gente…
- …que a gente vive por viver… Pode ser. Mas
eu não me quero convencer disso. Eu ainda espero…
- Eu também – fez Rigger, baixando a cabeça
sobre as mãos.
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