Conversa de vizinhas... |
O PAÍS
DO
CARNAVAL
Episódio Nº 27
- Que bom! Que bom!
- Havia ainda uma comédia do Chuca-Chuca.
Esquecera-se
- E jornal’ Tem jornal – perguntou Dª Helena,
uma loura dos seus trinta anos, de quem falavam mal. Diziam que frequentava
casas suspeitas. Viam-na na rua de cada vez com um namorado diferente… Ela
queria saber se havia jornal. Tinha loucura por Afonso III, rei de Espanha. E
ele sempre vinha nos jornais do cinema.
- Mas ele é casado, Dª Helena.
- Não faz mal. Ser amante do rei não desmoraliza…
Se quer saber pergunte à Dª Maria (Dª Maria era uma árabe muito magra que
alugava todo o sótão e realugava os quartos. Ganhava fortuna… cochichavam pelos
cantos os inqui linos). Na terra dela
os reis têm quarenta mulheres…
- Eu é que não queria ser amante nem do homem
mais rico do mundo.
Diz isso de boca… De boca… Se aparecesse um
bruto de nota…
- Você pensa que todo o mundo é você…
- Ora! Piores… muito piores… As sonsas são as
piores
E aquelas mulheres
trabalhavam com mais gosto, às pressas, para irem à noite, ao cinema…
Tão pequeno aquele sótão…
E morava tanta gente nele! Na sala da frente, Dª Maria, a árabe, com dois
filhos pequenos, chorões e sujos, que punham o sótão e a escada em polvorosa
com as suas brincadeiras. Dois diabos, chamava-os Dª helena. No quarto junto
dormia um velho, servente de um Banco.
Entrava à noite e saía
pela manhã o pobre homem. Todos achavam que era uma boa pessoa… Junto a ele,
num quarto pequeno, Maria de Lourdes e a madrinha viviam. A madrinha, Dº
Pombalina, cosia. Com o que ganhava (uns magros cinco mil réis diários)
sustentava-se e à afilhada, que ela criara desde pequena e não admitia que
fizesse nada, a não ser arrumar o quarto, e comprar uma fazendas na rua.
No último quarto, Dª
Helena e duas irmãs, Georgina e Bebé, passavam o dia a se xingar. Sabiam toda a
espécie de nomes feios, aquelas moças. Trabalhavam pouco.
A Helena não se sabe como
arranjava dinheiro para comer, pagar o quarto e ainda vestir-se bem. A Georgina
já começava a “cavar”. Somente a Bebé, a mais moça, seios ainda a aparecer,
ficava em casa a bordar sapatinhos para recém-nascidos. Tinham grande saída.
Vendiam-se numa loja da Baixa dos Sapateiros como produto francês.
No quarto, de frente, morava outro árabe que
tinha um nome complicado que se reduzira a Fifi. Dª Fifi, mãe de um filho
malandrão, já homem, seus dezassete anos, que só vinha a casa buscar dinheiro
para a farra. Vivia no meio de moleques da pior espécie, a calotear mulheres
nojentas da Ladeira do Tabuão.
Quando dormia em casa, vez
por outra, ficava nu no mesmo quarto que a mãe que, deitada no chão (o filho
dormia na cama), não cansava de reclamar seu modo de vida. Ele a xingava muito
em árabe. Às vezes escapava alguma palavra em português que as vizinhas
percebiam.
- Besta…diabo velho…égua…
Dª Pombinha benzia-se.
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