terça-feira, fevereiro 19, 2013


O PAÍS
DO
CARNAVAL

Episódio nº 26

Já não posso… A vista não consente…

Ticiano tentou sorrir, mas uma tristeza sem fim espalhou-se pelo rosto enrugado.

Sentou no bonde. E foi até em casa conversando com Dª Mercedes, sua vizinha, que se queixava do marido, só metido em política (e logo na oposição…) em tempo de tomar um tiro, uma punhalada…

 - Coitado do meu João… Tão bom, tão delicado…

E enxugava as lágrimas, como se o marido já houvesse morrido.

Ticiano, gentil, pagou o bonde. O condutor continuou a sua viagem: - Cavalheiro, faz favor? Ticiano ficou a ouvi-lo. Lembrou-se dos seus amigos. Viviam a dizer: - “Felicidade, faz favor?”
E tinha a certeza que terminariam cépticos como ele, indiferentes, superiores à vida.

Dª Mercedes recitava-lhe um discurso do marido.

Quando Maria de Lourdes chegou a meio da escada (longa escada capaz de pôr tuberculosa uma pessoa em dois meses), já começara a gritar:

 - Dindinha! Dindinha!

A madrinha e todo o mulherio que habitava aquele sótão, vizinho de um quarto andar onde viviam uns protestantes e vizinhos do céu, chegaram à porta.

Maria de Lourdes subia às pressas, esbaforida, os cabelos castanhos a fazerem revolução, os olhos muito abertos, muito grandes.

 - O que é Lourdinha?

 - O que é? O que é? – faziam as mulheres, a curiosidade a saltar dos olhos, bocas semi-abertas, mortas por saber…

 - Hoje tem cinema grátis!

A madrinha zangou-se. Não precisava fazer todo aquele estardalhaço por causa de um cinema. Metera-lhe um susto. Ela ficara a julgar que fosse algum conhecido que houvesse morrido…

Maria de Lourdes desculpava-se. Tão raro um cinema… Só quando grátis. E a empresa, malvada, resolvera suspender as soirés chics (moças e senhoras grátis; senhores 1$200, crianças $600). Agora, o novo proprietário (o ex-dono não pôde continuar no bairro. As mulheres moveram-lhe uma guerra de morte. E ele vendeu o cinema. Querendo popularizar-se, recomeçou a dar soirées grátis.

O mulherio apoiou Maria de Lourdes.

Lourdinha tinha razão. Tão raro um cinema… E as fitas, quais eram?

Feliz, uma alegria grande a bailar nos olhos grandes, ele explicou.

 - Tom Mix, “o rei dos cowboys”. Deve ser extraordinário. A mocinha é… Ora, não me lembro. Aquela loirinha bonitinha, bonitinha, dos beijos demorados, muito demorados… não há meio de me lembrar do nome. Não faz mal. Tem ainda “Por que choras palhaço?”Uma fita colossal… No fim, os primeiros episódios do “Expresso da Morte”…

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