DO
CARNAVAL
Episódio nº 26
Já não posso… A vista não
consente…
Ticiano tentou sorrir, mas
uma tristeza sem fim espalhou-se pelo rosto enrugado.
Sentou no bonde. E foi até
em casa conversando com Dª Mercedes, sua vizinha, que se queixava do marido, só
metido em política (e logo na oposição…) em tempo de tomar um tiro, uma
punhalada…
- Coitado do meu João… Tão bom, tão delicado…
E enxugava as lágrimas,
como se o marido já houvesse morrido.
Ticiano, gentil, pagou o
bonde. O condutor continuou a sua viagem: - Cavalheiro, faz favor? Ticiano
ficou a ouvi-lo. Lembrou-se dos seus amigos. Viviam a dizer: - “Felicidade, faz
favor?”
E tinha a certeza que
terminariam cépticos como ele, indiferentes, superiores à vida.
Dª Mercedes recitava-lhe
um discurso do marido.
Quando Maria de Lourdes
chegou a meio da escada (longa escada capaz de pôr tuberculosa uma pessoa em
dois meses), já começara a gritar:
- Dindinha! Dindinha!
A madrinha e todo o
mulherio que habitava aquele sótão, vizinho de um quarto andar onde viviam uns
protestantes e vizinhos do céu, chegaram à porta.
Maria de Lourdes subia às
pressas, esbaforida, os cabelos castanhos a fazerem revolução, os olhos muito
abertos, muito grandes.
- O que é Lourdinha?
- O que é? O que é? – faziam as mulheres, a
curiosidade a saltar dos olhos, bocas semi-abertas, mortas por saber…
- Hoje tem cinema grátis!
A madrinha zangou-se. Não
precisava fazer todo aquele estardalhaço por causa de um cinema. Metera-lhe um
susto. Ela ficara a julgar que fosse algum conhecido que houvesse morrido…
Maria de Lourdes
desculpava-se. Tão raro um cinema… Só quando grátis. E a empresa, malvada,
resolvera suspender as soirés chics (moças e senhoras grátis; senhores 1$200,
crianças $600). Agora, o novo proprietário (o ex-dono não pôde continuar no
bairro. As mulheres moveram-lhe uma guerra de morte. E ele vendeu o cinema.
Querendo popularizar-se, recomeçou a dar soirées grátis.
O mulherio apoiou Maria de
Lourdes.
Lourdinha tinha razão. Tão
raro um cinema… E as fitas, quais eram?
Feliz, uma alegria grande
a bailar nos olhos grandes, ele explicou.
- Tom Mix, “o rei dos cowboys”. Deve ser
extraordinário. A mocinha é… Ora, não me lembro. Aquela loirinha bonitinha,
bonitinha, dos beijos demorados, muito demorados… não há meio de me lembrar do
nome. Não faz mal. Tem ainda “Por que choras palhaço?”Uma fita colossal… No
fim, os primeiros episódios do “Expresso da Morte”…
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