DOMINGO
(Chuvoso, na minha cidade de Santarém)
Ver o comportamento dos jovens nas noites de 6ª fª constitui a
forma mais chocante e violenta de me sentir velho, fora do tempo que passa, ou
ainda numa terra estranha onde devo ter aterrado de pára-quedas no dia anterior
e na qual não me reconheço.
Normalmente, a tendência das pessoas que chegam à fase da velhice, é o de recordarem os tempos de namoro da sua juventude como tendo sido os melhores deste mundo, e eu compreendo isso muito bem porque sou da idade deles e as pessoas da mesma geração, naturalmente, entendem-se melhor.
Normalmente, a tendência das pessoas que chegam à fase da velhice, é o de recordarem os tempos de namoro da sua juventude como tendo sido os melhores deste mundo, e eu compreendo isso muito bem porque sou da idade deles e as pessoas da mesma geração, naturalmente, entendem-se melhor.
Mas do que, normalmente, eles não se dão contam é que esses
elogios não têm a ver com os “tempos” mas antes com a juventude, a sua
juventude. Ela é que era boa, tão boa que até as coisas más de quando fomos
jovens, agora nos parecem esplêndidas.
Realmente, a juventude potencia a vida, os obstáculos não passam
de desafios e as dores, sejam elas quais forem, esquecem-se e ultrapassam-se
muito rapidamente porque, para isso, lá está a primavera da vida com as campainhas
a tocarem por todo o lado chamando-nos ao dia seguinte que espera por nós…
Mas aqui lo que nos
foi feito pelos nossos pais e educadores na década de cinquenta, que coincidiu
com a minha juventude, foi uma grande maldade só desculpável porque os meus avós,
com eles, ainda fizeram pior.
A separação forçada a que os jovens de sexo diferente estavam
sujeitos constituiu um atentado e uma violação não só aos direitos da minha
juventude mas, ainda mais grave, à minha própria natureza humana e de todos os
jovens da minha geração que em maior ou menor grau foram vítimas dessa
autentica crueldade.
Quando estudava, interno, no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, bem
poderia desejar ver a caminho da Igreja para a missa de Domingo, nem que fosse
ao longe, as minhas colegas do Feminino, também elas internas como nós num
outro edifício, em outro local da cidade, mas em vão, porque não só as Missas
eram a horas diferentes como os percursos também eram outros.
Contactos de proximidade só com as mulheres da vida que nos esperavam
nas casas, ditas de “meninas”, algumas delas passajando roupa de vestir, quem
sabe, as calças de algum filho que talvez tivesse a nossa idade ou até mesmo
mais velho.
Essas insípidas experiências de sexo, feito com uma mulher que
tinha idade para ser nossa mãe constituíam atentados efectuados por nós
próprios à nossa sensibilidade de jovens e eram sempre de muito má recordação.
Eram relações muito desiguais: de um lado, a mulher
profissional, experiente, madura, por vezes maternal, do outro, a inexperiência,
a juventude ainda feita meninice com um pouco de vergonha à mistura… e para
quê?
O que um jovem necessita para o seu desenvolvimento saudável é
de se envolver num namoro com uma rapariga da sua simpatia e com ela sair,
conviver e expressar-lhe os seus sentimentos na sequencia de um processo que,
sabemos hoje, começa a desenvolver-se aos oito anos de idade e envolve circuitos
de neurónios, hormonais e muitos outros químicos à mistura.
Mas nessa altura eu não sabia nada, de resto, ninguém sabia
nada, para além de que quase todas essas coisas eram pecado e a castidade é que
era boa e fazia bem à saúde para além de agradar ao Nosso Senhor.
O meu colega José Augusto, que jogava futebol na equi pa do Colégio e por isso era conhecido das
meninas do Feminino que eram autorizadas a assistir aos jogos num sector das
bancadas que lhes era reservado, devidamente acompanhadas e vigiadas, ficou
interessado na irmã do Peixoto.
Talvez por cumplicidade com o irmão, que era seu amigo ou por um
qualquer olhar mais penetrante da bancada para o campo ou do campo para a
bancada, não se sabe… as setas do Cupido têm percursos caprichosos…
Fui então escolhido para redigir a carta do Pedido de Namoro o
que aceitei com grande regozijo interior mas com aparente indiferença exterior
sem que, no entanto, me tivesse feito demasiado caro não fosse ele desistir da
solicitação.
Com todas aquelas barreiras e obstáculos que existiam entre
rapazes e raparigas, eu nem de vista conhecia a irmã do Peixoto mas… desde
quando um jovem romântico de dezasseis ou dezassete anos precisa de conhecer
uma rapariga para lhe escrever uma carta de amor?
Não faço nenhuma ideia se o José Augusto veio a casar com a irmã
do Peixoto, se tiveram muitos meninos e hoje um rancho de netos mas, se tal não
aconteceu, não foi por causa da carta que depois de ter conseguido chegar ao
destino com a cumplicidade de outras pessoas, foi lida pela destinatária que
lhe respondeu na volta do mensageiro… “com os olhos ainda cheios de lágrimas de
amor e paixão…”, conforme as suas próprias palavras.
Ora, não está certo, não é justo, não foram os lindos olhos
dele, foi a minha carta, foram as minhas palavras que desencadearam nela os
sentimentos de amor e paixão… mas foi ele que ficou com a namorada e isso foi
uma espécie de batotice.
Fosse a vida o JOGO da GLÓRIA e a pedra que me representava como
jogador voltaria para trás, à casa de o NAMORO, e recomeçar-se-ia novamente a
lançar os dados.
Há… dizem vocês, mas se assim fosse serias o último a chegar à
META e eu respondo: quero lá saber, muito mais importante do que chegar
primeiro à META é ficar na casa do NAMORO porque a volúpia de uma paixão aos
dezassete anos de idade dá muito mais prazer do que cortar a porcaria da META e
não duvidem de mim porque sei do que falo… nunca vivi essa paixão e sempre
suspirei por ela!
A vida é, em grande parte, um jogo. Apenas as regras são
diferentes consoante os locais e a época em que se vive e os factos descritos
não os teria vivido se não estivéssemos então nos anos bolorentos e pouco
gloriosos de 1954 completamente dominados por uma mentalidade de sacristia e
pouco saudável que então predominava na nossa sociedade.
A separação contra natura dos sexos acontece nas sociedades
machistas e favorece escandalosamente os homens que a propósito dessa separação
reservam para as mulheres as tarefas discretas do lar e da família ficando
eles com os privilégios dos trabalhos mais nobres.
Pouco mais de quarenta anos depois e entre nós toda a situação
se alterou. Rapazes e raparigas convivem hoje lado a lado desde os bancos da
escola até ao último grau da vida académica, vestem as mesmas fardas e
participam activamente nas mesmas guerras.
Hoje, são elas que preenchem e dominam em quase todos os lugares administrativos do aparelho do Estado. Na política, temos a Srª Merkel, a pessoa mais poderosa da
Europa… E isto, porque elas são mais trabalhadoras e perseverantes na linha de
uma tradição evolutiva da nossa espécie em que o segredo do sucesso talvez
tenha estado mais nelas do que em
nós. As sociedades matriarcais prevaleceram ao longo de todo
o paleolítico.
Com base em fontes documentais e arqueológicas a maternidade era a
fonte de todas as sociedades humanas. Os pesqui sadores
arqueológicos da Idade do Gelo de há 40.000 anos, descobriram grande quantidade
de estatuetas femininas, estatuetas de Vénus, e identificaram-nas como
representações da Deusa-mãe.
Subalternizadas, relegadas
para papéis secundários a partir do neolítico, têm vindo ultimamente a subir a
pulso a sua importância em todos os sectores da sociedade, excepção feita à Igreja
de Roma em que nenhum Papa teve ainda a coragem de lhes abrir as portas do
sacerdócio.
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