(continuação)
Dito e feito. O alcaide, logo de manhã ao saltar
da cama deu com os olhos nas vacas. Um maná do céu. Julgou que fosse gado
tresmalhado que se transviasse aos espanhóis ou rapinanço mal feito e correu a
trazê-lo para o Castelo com tão jubilosa precipitação que deixou as portas
escancaradas e nem sequer lhes pôs guardas.
A gente de Nuno Álvares não fez mais que
arremeter para o Castelo desamparado e pôr no olho da rua a mulher e os filhos
do alcaide.
A tropa de Nuno era grande e vivia como
ele ao deus-dará. Comer, muitas vezes, de grilo. Fartura era em Espanha, nas
entradas pela terra dentro, quando arrebanhavam quanto lhes caía debaixo da
unha, haveres e mantimentos.
Às vezes, a hoste, via-se em palpos de
aranha para trazer para Portugal rebanhos de bois e de suínos. Também
aprisionavam gente, sobretudo muchachas. Não faziam, aliás, senão pagarem-se da
mesma moeda das incursões que os castelhanos faziam em terras alentejanas e
beiroas.
Mas em Portugal, os homens de armas não
raro se deitavam com a barriga a dar horas. Acontecia-lhes nos dias grandes
matar a fome com figos colhidos nas figueiras. No Inverno não viam para erguer
olhos, nem pão, nem fruta.
Nuno dava o exemplo da frugalidade. Comia
depois dos outros terem enchido o fole.
Um dia, em que não havia mais que seis
pães, apareceram os besteiros ingleses, desvairados pela fome, a pedir de
comer. Mandou que lhes dessem os últimos pães que traziam nos alforges e a água
das borrachas. Ele e os seus deitaram-se de barriga vazia.
IV
D. João, seguindo à risca os conselhos de
Álvaro Pais: dar, prometer, perdoar, ia consolidando a situação. O povo que
isentara de impostos de cacaracá e alcavalas mais importunas que rendosas, via
nele o defensor do Reino, segundo a boa prosápia portuguesa e, como no caso do
assalto frustrado a Sinagoga, a sua palavra era a “última ratio”.
Quando Dª Leonor Teles se retirara para
Alenquer e depois para Santarém, a espumar raiva contra Lisboa que ela e os
seus gostaria de ver arrasada e a erva a crescer nas ruas, especialmente contra
as mulheres de quem jurava vingar-se, o Mestre ficou com as mãos livres.
Ao passo que seus homens continuavam
fazendo boa propaganda, ele tratava de pôr da sua banda as forças imponderáveis
espirituais.
Mandava ao mesmo tempo pedir auxílio ao
Rei de Inglaterra e dessa iniciativa partiu, em última análise, a aliança
inglesa através dos séculos e o casamento dele com a filha do Duque de
Lencastre.
A revolução no país prosseguia entretanto
a sua marcha avassaladora. A nobreza, de uma forma geral tomava partido por Dª
Leonor Teles, ou pelo rei de Castela, herdeiro presuntivo do trono por sua
mulher Dª Beatriz, filha de D. Fernando. O povo, pelo Mestre de Avis.
No Porto, a revolução assumira as
proporções de um profundo sismo social. A arraia saqueara as casas e armazéns
dos partidários da rainha, matara e incendiara.
Depois, a palavra de ordem em relação à
ameaça castelhana, corporizada numa invasão, era esta:
.
«Todos deviam aventurar-se a morrer sobre tal demanda antes que a cair em
servidão tão odiosa»
(continua)
(continua)
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