D. JOÃO I de PORTUGAL
(continuação)
No começo, Nuno devia sentir a sua
diferença entre a corte, onde tudo se resumia a florear armas e brilhar de
corpo bem feito, e ali, onde não era brinquedo governar a criadagem, prover à
conservação das terras, ver medir as rendas, castigar os relapsos, numa palavra
exercer o direito de baraço e caldeira, que tal era a sua esfera de rico-homem
de tão vasto domínio.
Era homem de poucas e brandas palavras e
não há melhor ascendente do que a política da sisudez e cara de pau. Naquela
comarca de Entre-Douro-e-Minho nunca constou um mandador mais obedecido por
gente mais bem mandada.
Neste ministério viveu Nuno durante anos
em que a honrada esposa deu ao mundo três filhos um dos quais, Dª Beatriz, que
casou com um filho bastardo do Mestre de Avis, pedras angulares da sereníssima
Casa de Bragança.
Até que um dia, El-rei D. Fernando,
mandou que ele se apresentasse na fronteira com o irmão, o prior Pedro Álvares
e ele lá foi com vinte e cinco homens a cavalo e trinta a pé, soldados de cara
valente capazes de romper uma laje com os dentes.
A batalha dos Atoleiros, a primeira em
regra que Nuno Álvares ganhou, foi precedida de uma entrevista entre ele e um
pajem castelhano, Rui Gonçalves, que em menino passara muitas temporadas em sua
casa e chegara da fronteira a toda a espora para lhe falar.
Rui Gonçalves convidava-o, em nome da
amizade e do bom senso, a entrar ao serviço do Rei de Castela que o cumularia
de honras e mercês, fazendo-lhe ver a rematada loucura que era, à frente de tão
pouca gente, ainda que briosa e esforçada, pretender medir-se com tantos.
Nuno respondeu-lhe assim, além do mais:
-
«Rui Gonçalves, montai já e correi a dizer a esses senhores que se aprestem
para a batalha, que o meu sumo desejo é ver-me nela. Mas ide já e não tenhais
pena de rebentar o cavalo, que me parece bem que não ireis tão depressa que eu
com a ajuda de Deus não chegue ao mesmo tempo que vós»
Foi a primeira batalha travada em
Portugal de infantes (os portugueses) contra a cavalaria (espanhóis) que
chamavam aos nossos «tropa de nada», «todos ladron e seu companhom», pé em
terra.
No primeiro roldão, os ginetes vieram
cravar-se na ponta viva das lanças. Daí, recuo, alvoroço, confusão e
contra-ataque da infantaria sobre as alas destroçadas.
Após Atoleiros, a campanha foi-se
desdobrando com um recontro sangrento, um episódio de ardil e subtileza: tal
foi a conqui sta do castelo de
Monsaraz.
Era esta praça uma das sentinelas que
levantara voz pelo rei de Castela e que, pela posição, fazia bastante dano aos
portugueses.
O alcaide Gonçalo Rodrigues de Sousa
passava por homem casmurro e lerdo, que mandara aferrolhar as portas e ali
residia a pão negro e água da fonte, preferindo morrer à míngua a render-se.
Nuno Álvares, depois de cogitar no
problema pôs em prática um estratagema à moda dos lusitanos, muito bem urdido.
Uma tarde, hora de sesta, disse para os
seus:
-
«No lusco-fusco da madrugada ides deitar à várzea do castelo, aí a dois tiros
de besta, uma meia dúzia de vacas. Heis-de vos esconder depois que não vos
vejam. Do castelo saem com certeza a recolher as vacas. É natural que deixem as
portas abertas. Nesse instante, vós pulais, e quero-vos ali ver firmes nos
umbrais até nós chegarmos.»
(continua)
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