quarta-feira, fevereiro 20, 2013


O MESTRE DE AVIS
D. JOÃO I de PORTUGAL
(continuação)


No começo, Nuno devia sentir a sua diferença entre a corte, onde tudo se resumia a florear armas e brilhar de corpo bem feito, e ali, onde não era brinquedo governar a criadagem, prover à conservação das terras, ver medir as rendas, castigar os relapsos, numa palavra exercer o direito de baraço e caldeira, que tal era a sua esfera de rico-homem de tão vasto domínio.

Era homem de poucas e brandas palavras e não há melhor ascendente do que a política da sisudez e cara de pau. Naquela comarca de Entre-Douro-e-Minho nunca constou um mandador mais obedecido por gente mais bem mandada.

Neste ministério viveu Nuno durante anos em que a honrada esposa deu ao mundo três filhos um dos quais, Dª Beatriz, que casou com um filho bastardo do Mestre de Avis, pedras angulares da sereníssima Casa de Bragança.

Até que um dia, El-rei D. Fernando, mandou que ele se apresentasse na fronteira com o irmão, o prior Pedro Álvares e ele lá foi com vinte e cinco homens a cavalo e trinta a pé, soldados de cara valente capazes de romper uma laje com os dentes.

A batalha dos Atoleiros, a primeira em regra que Nuno Álvares ganhou, foi precedida de uma entrevista entre ele e um pajem castelhano, Rui Gonçalves, que em menino passara muitas temporadas em sua casa e chegara da fronteira a toda a espora para lhe falar.

Rui Gonçalves convidava-o, em nome da amizade e do bom senso, a entrar ao serviço do Rei de Castela que o cumularia de honras e mercês, fazendo-lhe ver a rematada loucura que era, à frente de tão pouca gente, ainda que briosa e esforçada, pretender medir-se com tantos.

Nuno respondeu-lhe assim, além do mais:

 - «Rui Gonçalves, montai já e correi a dizer a esses senhores que se aprestem para a batalha, que o meu sumo desejo é ver-me nela. Mas ide já e não tenhais pena de rebentar o cavalo, que me parece bem que não ireis tão depressa que eu com a ajuda de Deus não chegue ao mesmo tempo que vós»

Foi a primeira batalha travada em Portugal de infantes (os portugueses) contra a cavalaria (espanhóis) que chamavam aos nossos «tropa de nada», «todos ladron e seu companhom», pé em terra.

No primeiro roldão, os ginetes vieram cravar-se na ponta viva das lanças. Daí, recuo, alvoroço, confusão e contra-ataque da infantaria sobre as alas destroçadas.

Após Atoleiros, a campanha foi-se desdobrando com um recontro sangrento, um episódio de ardil e subtileza: tal foi a conquista do castelo de Monsaraz.

Era esta praça uma das sentinelas que levantara voz pelo rei de Castela e que, pela posição, fazia bastante dano aos portugueses.

O alcaide Gonçalo Rodrigues de Sousa passava por homem casmurro e lerdo, que mandara aferrolhar as portas e ali residia a pão negro e água da fonte, preferindo morrer à míngua a render-se.

Nuno Álvares, depois de cogitar no problema pôs em prática um estratagema à moda dos lusitanos, muito bem urdido.

Uma tarde, hora de sesta, disse para os seus:

 - «No lusco-fusco da madrugada ides deitar à várzea do castelo, aí a dois tiros de besta, uma meia dúzia de vacas. Heis-de vos esconder depois que não vos vejam. Do castelo saem com certeza a recolher as vacas. É natural que deixem as portas abertas. Nesse instante, vós pulais, e quero-vos ali ver firmes nos umbrais até nós chegarmos.»
(continua)

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