DO
CARNAVAL
Episódio Nº 12
Aquela amizade chegara a
ser uma grande consolação para as suas vidas. Sentiam-se amparados uns pelos
outros. Ajudavam-se e juntos procuravam a fidelidade das suas existências.
Depois de ter aprendido, com Pedro Ticiano, todas as atitudes cépticas, eles
diziam, havia um “fim” na vida.
Pedro Ticiano ria:
- Há, sim. O fim é a morte…
Reuniam-se em torno de
Pedro Ticiano cujo espírito os encantava. E fizeram-se uma força. Temidos
tinham a coragem de dizer todas as verdades. Diferentes uns dos outros, tinham,
entretanto, grandes afinidades que os uniam.
Ricardo Braz nascera no
Piauí. Rapaz, teve que emigrar para tentar a vida na Bahia. Conseguira entrar para
a Escola Agrícola para abandoná-la logo de seguida por falta de recursos. Por
fim, arranjara um emprego público e estava a se formar na Faculdade de Direito.
Poeta, publicara um livro
de versos. E como os versos fizeram sucesso, começou a odiá-los. Necessitado de
carinho, era um peregrino do sentimento. Tinha uma grande sede de amor.
E quando pensava na
finalidade da vida, idealizava sempre uma moça de grandes olhos triste que
fosse o tipo da esposa ideal.
O Gomes, A. Gomes,
director da Bahia-Nova como diziam os seus inseparáveis cartões de visita,
possuía uma inteligência agudíssima ao serviço do mais completo analfabetismo.
Tentara já umas cinquentas
profissões. Desde empregado de venda a cobrador de contas consideradas insaldáveis.
Por fim, resolvera ser
jornalista. Metera-se pelos sertões em busca de coronéis-prefeitos de municípios
que lhe dessem notas sobre as suas cidades, fotografias e dinheiro.
A revista saíra. E, coisa
até então considerada impossível na Bahia, já estava no 25º número (dos quais só
apareceram 14) e o Gomes, cônscio da sua nova posição de jornalista, não
largava um charuto e uma pasta que tinha pretensões a histórica.
Ricardo costumava dizer:
- Você, Gomes, é um canalha, mas você vence. Tem
alma de chantagista. Não tem moral alguma…
O Gomes protestava,
vermelho.
E Ticiano acalmava:
- Esse negócio de moral é uma tolice. O homem
de talento não tem moral. E você, Gomes, tem talento. É quanto basta. Só um
defeito não é perdoável no homem: a burrice.
Gomes, sorria feliz. E quando
a conversa girava sobre insatisfação e finalidade da vida, recostava-se na
cadeira e ficava a ver, na fumaça do charuto, um palacete, auto-carros,
mulheres e coronéis, muitos coronéis a carregarem sacos de dinheiro…
O mais apagado deles
chamava-se Jerónimo Soares. Mulato claro, bom rapaz, ingénuo, sem pretensões,
sem vaidades, lugar-comum humano, que Ticiano vivia, entretanto, a fazer “à sua
imagem e semelhança.”
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