DO
CARNAVAL
Episódio Nº 17
Rigger, a caminho de casa,
recordava a primeira briga que tivera com Julie. Fora naquele Carnaval, no Rio
de Janeiro. Ele saíra e demorara na rua até de madrugada. Quando chegou a casa
não a encontrou…
Lembrava-se de como
correra, horrível aquela noite. O leito vazio, lençóis alvos davam-lhe, talvez
por contraste, a impressão de um leito funerário…
O ónibus parou. Os
pensamentos de Paulo também pararam. Ficou olhando o casario, as palmeiras do
Campo Grande. Tudo respirava uma tristeza de fim de tarde. Junto a ele, no banco,
uma pequena magra de grandes olhos espantados, folheava um livro de versos.
Procurou ler o título. As Primaveras de Abreu. Sorriu.
Aquela pequena.
Naturalmente, dava-se a romantismos… Devia ter um namorado que escrevesse
versos. Talvez até namorasse com Ricardo Vaz. Quis perguntar-lhe. Chegou a
abrir a boca. Mas fechou-a batendo com a mão sobre os lábios.
Ora que ideia esqui sita. A moça naturalmente nem conhecia Ricardo.
Namorava qualquer empregado do comércio. O ónibus recomeçou a andar. Rigger
tomou o fio dos seus pensamentos. Julie só chegara pela manhã.
A princípio, ele não lhe
falara. Ela viera perguntar o motivo Exasperou-se – que fosse aborrecer outro!
Passara a noite na farra com outro, dormira com certeza com o primeiro
amiguinho que arranjara e lhe vinha perguntar por que estava zangado. Que fosse
para o inferno!...
- E sarcástico, lábios contraídos:
- Como era ele? Preto ou mulato? Forte?
Ela explicava. Ele não
tinha de que ciumar. Tolices dele… Ela, afinal, não dormira com homem algum.
Não o traíra. Dançara, gritara, brincara. Isso não se chamava enganar. Por que
então ele se zangava?...
Ele também não o sabia. Se
o amor não passava de carne, da união dos sexos, ele não tinha razão de queixa.
Ela não dormira com outro. Ele acreditava em Julie. Ela não mentia.
E, no ónibus, Paulo
aceitava as teorias de Ricardo. Ele tinha ciúmes das frases e dos sorrisos que
Julie gastara com os companheiros da farra. O amor não se restringia à posse…
Mas, sendo assim, ela não o amava…
O ónibus parou. Saltou uma
senhora gorda. Paulo Rigger notou que já havia passado a sua casa. Saltou
também deixando lá os seus pensamentos.
Na porta da chácara a mãe
esperava-o, sorriso aberto, para contar-lhe o nascimento dos pintos da
“Ricardina”, galinha velha, querida de todos da chácara e que havia de morrer
de velhice.
Paulo Rigger gostava de
ouvir a sua mãe sobre seu pai que ele conhecera tão pouco. Godofredo
afigurava-se-lhe o homem que encontrara no trabalho, a Felicidade. O homem que
não tinha problemas íntimos a resolver. O que tinha um “fim”.
Admirava-o e invejava-o.
Uma tarde, porém,
remexendo numas gavetas que ninguém abrira há anos encontrou um caderno que
pertencera ao seu pai. Não podia ser chamado de diário. Um amontoado de notas
apenas…
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