ISABEL MOREIRA |
Os Ateus Segundo o
Paternalismo
de um Crente
O padre João António Teixeira vem explicar aqui
que os ateus são crentes ao contrário. Que, explica, é claro que o ateu
"acha que a sua posição é racional, científica. Ele acha que tem provas
evidentes de que Deus não existe".
A partir desta definição errada do ateu, o padre João António
Teixeira avança por trechos poéticos convenientes e divaga por afirmações sobre
a experiência que leva a deus ou à inexistência dele para concluir bondosamente
que há quem não negue deus, mas a "nós", isto é, aos homens de deus,
aos crentes, aos exemplos que se comportam como ateus, quando há ateus que se
comportam como crentes (como se fosse deus a inspirá-los).
Conclui que ninguém está longe de deus. Isto cansa.
O ateu, aquele que nega a crença na existência de deuses, seja um,
seja mais de um, não parte do princípio que tem de provar cientificamente e
racionalmente que não existe um deus ou que não existem vários deuses.
Pelo contrário, o ateu constata que não há nada de racional e de
científico na crença que afirma, precisamente, a existência de tais divindades.
Como facilmente se compreende, o ónus da prova não é do ateu, mas de quem
afirma a existência de seres transcendentais.
O verdadeiro ateu, e não o poeta que está angustiado com a dúvida
da fé, sabe que a verdade das coisas se atesta pela demonstração e não aceita o
salto (i)lógico do teísta que consiste em resolver uma dúvida para a qual a
ciência ainda não tem resposta com a palavra deus.
Concretizando, já conhecemos explicações para muita coisa que se
atribuía a deus, explicações essas que foram negadas como blasfémias e punidas
com a morte, hoje pacificamente aceites. Afinal não era deus. O ateu acredita
nessa aventura interminável que é a busca de respostas para os mistérios do
universo e da humanidade. Simplesmente, quando não obtém respostas não apela
aos céus.
Por tudo o que aqui se
explica, naturalmente não pode o ateu estar "desiludido" com deus ou
com os crentes.
Essa afirmação resulta de um paternalismo recorrente que considera
que para se ser ateu tem de se ter padecido de alguma maleita, no caso
espiritual. Alguém fez mal ao coitadinho do ateu. O ateu está ferido com deus
ou com o comportamento de alguns crentes que mais parecem ateus, esses
malvados. Isto - pasme-se - quando até há ateus que se comportam "como se
fosse Deus a inspirá-los".
Imagino que isto deva querer dizer que há ateus decentes.
Agradecida.
Este texto é de Isabel Moreira, Constitucionalista e
Assistente Universitária, filha do Prof. Adriano Moreira, um dos pilares da
direita portuguesa e meu distinto professor na disciplina de Princípios Gerais
de Direito, no início dos anos sessenta.
NOTA
Concordo inteiramente com Isabel Moreira neste texto,
chamemo-lo de "desabafo", às afirmações do padre João António
Teixeira, que foi Reitor do Seminário Maior de Lamego e posteriormente nomeado
Reitor do Santuário de Nª Srª dos Remédios, sobre os não crentes.
Este "pastor" de um dos grandes "rebanhos" de
crentes da humanidade arroga-se, com a sobranceria própria de quem pertence ao
grupo dos "iluminados da fé", dotados de uma "bondade" e
"complacência" inevitáveis à sua condição, para os que eles julgam de
tresmalhados.
Eu compreendo o fenómeno da fé, respeito-o, embora não o leve em
consideração quando avalio o meu semelhante. Há de uns e outros fora e dentro
do mundo das crenças, embora tema o que o homem é capaz de fazer por causa
delas.
Assumindo a minha condição de não crente não me sinto
predestinado, eleito, mais inteligente ou mais burro. Apenas um ser vivo
especialmente dotado pelo processo evolutivo da vida sobre o nosso planeta, tal
como o Sr. Padre João.
Esse dote especial da inteligência que permitiu aos meus
antepassados vencerem a luta pela sobrevivência e afirmarem-se como a espécie
dominadora, perigosamente dominadora, ajudaram-me a tomar consciência da minha
condição de parte integrante do conjunto da natureza à face da Terra com
especiais responsabilidades e não mais do que isso.
Por esta razão, não tenho nenhum motivo, para abandonar uma
atitude de humildade sem pretender "protecções", "prémios"
ou recear "castigos" provenientes de deuses ou entidades que a minha
capacidade de entendimento se recusa a aceitar.
Sei que existe no nosso cérebro um "espaço da fé" tal
como nele existem outros "espaços"como a paixão, o ciúme, o medo…
"Acreditar", foi muito importante, talvez decisivo em fases recuadas
da nossa luta pela sobrevivência. Mais tarde, foi naturalmente aproveitado por
alguns homens que mobilizaram e arregimentaram outros homens para as religiões
que encontram um eco sincero dentro de nós... Por isso, é mais fácil ser crente
do que não crente.
Vamo-nos respeitar todos uns aos outros, sem preconceitos,
complexos de superioridade ou inferioridade, conselhos ou palavras de comiseração...
está bem, senhor padre?
É que já cansa… como desabafa Isabel Moreira.
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