sábado, março 02, 2013


D. SEBASTIÃO
E A SUA CRUZADA
A ALCÁCER- KIBIR

(Aquilino Ribeiro – Príncipes de Portugal – Suas Grandezas e Misérias)

Aparelhou-se, D. Sebastião, para a fatal jornada o melhor que pôde. Precisava de muito dinheiro e Gregório XIII concedeu-lhe os réditos que era de lei que escorressem para o cofre de S. Pedro, da bula da Santa Cruzada, tida por certa e caudalosa mina. Concedeu-lhe mais umas terças das Igrejas, com que os eclesiásticos deram o cavaco.

Houve que assentar num “modus – vivendi” de que sempre retirou 150.000 cruzados. Tomou à sua conta o trato do sal e tributou povos e mercadores a torto e a direito.

Despejou o cofre dos órfãos, defuntos e ausentes, e lançou uma derrama de 250.000 cruzados aos cristãos novos, que gemeram, mas pagaram com a condição de ficarem ao abrigo de qualquer confisco de parte do Santo Ofício durante 10 anos; pediu emprestado a cavaleiros, fidalgos e homens ricos; hipotecou rendas, bateu moeda; esportulou, em suma, Deus e os homens, tanto os seus devotos como os netos como os netos dos que o pregaram na cruz.

Com tais sangradouros encheram-se os alguidares reais de sangue, se realmente como querem os economistas, não é outra coisa o dinheiro.

Da Flandres, Itália, Alemanha, encomendou armas, até à concorrência de 400.000 cruzados, ao juro de 8%, pagamento consignado na pimenta e drogas a chegar da Índia.

Do estrangeiro vieram 2.500 quintais de pólvora, 1.000 de bombarda, 1.500 de arcabuz, uma partida de salitre, 500 mosquetes, mastros, breu, velame.

Contratou 60 bombardeiros para servirem de condestáveis na artilharia que também veio de fora no montante de seis peças com seus reparos, mais 2.000 pelouros. Importou ainda carros e suas peças, 3.000 arcabuzes de um calibre, 4.000 de outro, e 12.000 morrões.

Além disto, veio tudo o mais que respeita à equipação, desde as gamelas de pau para o rancho às botifarras de carda que haviam de calçar os expedicionários. Que mais, santo Deus?

Mandou então trazer gente da província e do estrangeiro, Alemanha, Itália e Espanha, que emissários percorreram às suas ordens.

E Luís da Silva, seu pagem querido, partiu para pedir a Filipe II o cumprimento da sua palavra. Declarou o homem, prudente, que mantinha o compromisso, mas que sabia não haver em Portugal, por então, maneira de efectuar uma expedição susceptível de êxito; quando isso fosse, que falassem.

E foi um balde de água fria? Nada disso, um incentivo ao despeitado.

Posta ao Conselho de Estado a questão de ir a África, ou não, a maioria desaprovou. D. Sebastião retorquiu-lhes com o seu real e absoluto arbítrio.

 - «Não venho pedir-lhes conselhos, venho pedir-lhes que tomem as devidas providências para dar cumprimento à minha vontade.»

Quanto ao modo de trazer gente escreve Baião:

- «Era muito para chorar ver a lástima dos pobres homens, lavradores casados, que traziam como carneiradas com seus filhos por não terem com que se resgatar, porque todos os que tinham, a dez cruzados, a cinco, a quatro e a três, os largavam os Oficiais da Milícia, vindo a sede de dinheiro a crescer tanto neles que, moderando sua soma, já na fula fula do embarcar, a dois cruzados e a seis tostões, os deixavam escapulir. E há-de-se notar que de nenhum extravagante, nem vagabundo deitaram a mão…»
(continua)

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