segunda-feira, março 04, 2013


D. SEBASTIÃO
E A SUA CRUZADA
A ALCÁCER-KIBIR
(continuação)


Os fidalgos entregaram-se a sumptuosos e demorados aprestos. Todos se empenhavam em ir galantes, não se importando de agravar suas casas, vendendo e ou hipotecando as terras.

Os alfaiates ganharam rios de dinheiro, disputados pelos mais ricos. Os adornos e guarnições,        O adamasquinamento das armas, e as pinturas em elmos e escudos de insígnias e divisas era coisa de admirar. Em doçaria, bebidas, conservas, desvairou a aritmética – reza um cronista.

A despesa era de tal ordem que se poderia ter organizado outro exército. De par, mandaram vir dos países musicais arrabis, longas, cítaras, de sorte que parecia menos uma expedição militar que uma comitiva das “Mil e uma Noites” para celebrar as bodas de um príncipe encantado.


Eram mais de oitocentas velas, contando naus, galés, galeões, urcas e caravelas. O Tejo, diante de S. José de Ribamar, local designado para singrador comum, ficou coalhado com a vistosa frota.

Dos mastros, flâmulas e galhardetes esvoaçavam à brisa. Os bergantins e batéis, entre terra e navios, andavam numa dubadoira.

Orçavam em 20.000 homens, para mais que não para menos, as tropas de desembarque, bem municiadas, com muita artilharia e um serviço de saúde regularmente montado para o tempo, dispondo de trezentos leitos e de um piquete numeroso de enfermeiros recrutados todos entre os dominicanos. Para puxar peças e a carriagem  levavam mais de 8000 bois.

O nervo da expedição residia na mó de mercenários, soldados tudescos, experimentados na táctica nova, e no corpo de 600 italianos cedidos pelo Papa.

Afora os aventureiros, em cujas filas formava a fina flor da fidalguia e os fronteiros de África, o mais era gente bisonha. Muitos iam à força e, no geral, ignoravam o manejo de armas.

Armados de chuços, sabiam mandá-los como às forquilhas de carregar o tojo, jogando-os para a frente no balanço dos braços. Em Cádis esperavam que se lhes juntasse um terço de Castela, formado por bons soldados veteranos feitos em dúzias de campanhas.

A frota fez realmente escala por aquele porto, mas os invictos soldados faltaram ao encontro. O duque de Medina Sidónia é que organizou em honra de S. Sebastião grandes festas com a infalível corrida de touros por número obrigatório.

Durante os dias que ali estancionaram, “muitas andaluzes, cativas das bizarrias dos portugueses e rendidas ao seu amor, se lhes entregavam e se introduziam com eles na Armada, com grave prejuízo das consciências e anúncio de mau sucesso” – escreve o piedosíssimo padre Baião, nosso guia em matéria sebástica.

De Cádis a esquadra meteu a Tânger onde chegou com o anoitecer. Já lá se encontrava o Xerife à espera do aliado. Três dias depois levantou ferro para Arzila onde havia de desembarcar a expedição.

D. Sebastião, a descer no cais, e a entregar-lhe um mensageiro a carta de Mulei-Maluco, que só serviu para exaltar a farronca. Nela fazia-lho o Sultão as propostas mais aceitáveis, como ceder-lhe outros lugares marítimos e mais terreno para o sertão de modo a dilatar o enclave português.
(continua)

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